Eu e o Líder da Seita

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Sinopse: Em 1995, a seita apocalíptica Aum Shinrikyo, de Tóquio, cometeu o maior ato terrorista da história do Japão, matando treze pessoas e ferindo 6 mil em um ataque com gás sarin em três trens de metrô lotados da cidade. Atsushi Sakahara estava em um dos trens e sofreu danos permanentes em seu sistema nervoso por causa do ataque. Vinte anos depois, ele resolveu confrontar a seita em “Eu e o Líder da Seita”. Depois de um ano negociando os termos do encontro, conhece e viaja com Araki, atual líder do grupo, e os dois têm uma longa conversa sobre liberdade religiosa, terrorismo e o dano causado pela Aum.
Direção: Atsushi Sakahara
Título Original: AGANAI| ー悪の陳腐さについての新たな報告 (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 54min
País: Japão

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Genealogia Apocalíptica

Direitos constitucionalmente garantidos e liberdade de expressão. Assim tem início “Eu e o Líder da Seita“, documentário japonês dirigido por Atsushi Sakahara e parte da mostra competitiva de longas-metragens internacionais do Festival É Tudo Verdade 2021. Uma obra que chega à superfície pela coragem de um cineasta que transforma a tragédia pessoal em argumento – e reflete todo o processo anterior à realização do filme na ambientação por ele criada.

Em 20 de março de 1995, Atsushi foi um dos mais de seis mil feridos após um ataque terrorista com gás sarin no sistema ferroviário de Tóquio. A seita Aum Shinrikyo assumiu a autoria e, em nome da liberdade, ainda existe em território japonês. A abertura da produção lembra um pouco o vencedor do ano passado da mostra, o romeno “Collective“. Um acontecimento que mobilizou uma nação e teve seus desdobramentos na sociedade. Contudo, o diretor aqui não quer transformar o filme em uma peça jornalística ou seguir o caminho do denuncismo. Ele quer observar – e, ao fazê-lo, se transforma também em objeto de observação.

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Grande parte de “Eu e o Líder da Seita” capta conversas da vítima, agora diretor, com Araki. Na época do atentado ele estava se filiando à seita, porém agora é o líder do grupo. Portanto, após uma breve representação do que seria a rotina atual de Sakahara somos confrontados ao seu confronto. O que chama mais a atenção na obra é a ausência de força, há uma letargia, um exercício de pensamento em cada fala, que demarca a frieza de Araki. O longa-metragem tem um ritmo particular, um tempo próprio. Todavia, não há uma certeza sobre a motivação de tal estilo. Pelo contrário, fica a sensação de que os dois personagens provocam isso. O líder da seita parece hesitar a cada fala – e até mesmo trazer para si uma imagem que não nos permita esclarecer se há arrependimento, insanidade ou calculismo. Só que Atsushi também parece não querer jamais ocupar alguns espaços.

Desta forma, somos levados a um período não abarcado pelo filme. O que aconteceu entre o ataque e a realização do documentário não é mostrado, mas parece vivo em cena. Todos os traumas e formas de entendimento e superação de uma vítima que, agora, é tomada pelo desejo de compreender o outro lado. Fruto de uma longa negociação, estamos diante de um encontro ousado entre vítima e agressor de alta potência. A quebra de expectativa acaba sendo a serenidade como tudo acontece. Uma tática do cineasta que vai revelando um Araki bem menos desumano do que muitos podem esperar.

A seita Aum exige a renúncia de laços afetivos de seus integrantes. Portanto, quando adentramos na intimidade e na vida familiar pregressa do seu líder, encontramos material capaz de surpreender. Levado à cidade de Tanba, ele revisita espaços e sua própria história – e chora. Nunca deixa claro o quanto dessa renúncia foi provocada e o quanto foi um processo natural de afastamento. Com isso, na origem de um homem de práticas abjetas está sua própria carga de dramas e traumas pessoais. As doenças na infância, a relação com o irmão… Elementos que merecem ser absorvidos por quem ainda não assistiu ao filme. A genealogia feita a partir da observação do diretor nos leva ao que estava guardado, à indignação pessoal de Araki, que demonstra pouco sentimento e não verbaliza qualquer arrependimento.

A filosofia tradicional japonesa tem na aceitação do destino um pilar fundamental. Esse resgate da própria humanidade parece não surtir o efeito desejado por nós, em uma parte do globo movida a emoção e paixões exageradas. Se essa situação se repetisse por aqui, talvez suscitar o tal paradoxo da intolerância ou destacar a resiliência de Sakahara seria o caminho natural. “Eu e o Líder da Seita” não deixa de nos fazer pensar sobre a celebração do direito à liberdade de expressão – aquela que abre a obra e é retomada perto do fim. Até que ponto dar voz a Araki é saudável? A própria vítima dele o responde, o expõe – e mostra que saber que está errado pode não ser o suficiente para melhorar.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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