Exodus

Exodus

Sinopse: Desde que o Irã abriu suas fronteiras para refugiados da Guerra Soviético-Afegã, em 1979, tornou-se o lar de 2,5 milhões de afegãos, metade dos quais não estão documentados. Quando as sanções norte-americanas, renovadas em 2018, causaram um colapso cambial no Irã, a população vulnerável de migrantes foi severamente afetada pela recessão. Agora, um grande número deles quer voltar para casa, mas, para isso, precisa passar pelo Centro de Retorno, órgão responsável por processar os milhares de ilegais que saem do país regularmente. Sob o olhar humanista de Bahman Kiarostami (filho do falecido diretor Abbas Kiarostami), testemunhamos as trocas entre os funcionários do centro e os afegãos – cada um de um lado do vidro.
Direção: Bahman Kiarostami
Título Original: Exodus (2019)
Duração: 1h 17min
Gênero: Documentário
País: Irã

Exodus

Não Sei se Fico ou se Vou

Exodus” nos convoca a refletir sobre as consequências de uma receita que une políticas imperialistas dos países ricos do Ocidente com o ideal de liberalismo, pregado por eles mesmos, nas nações que tendem a oprimir. O documentarista Bahman Kiarostami (e a sinopse já sacia a curiosidade, ele é filho do grande cineasta iraniano) nos coloca na imigração do Irã e do Afeganistão. Nações que dividem grandes elementos culturais de suas sociedades. Boa parte da população pratica a mesma religião e é capaz de conversar no mesmo idioma. Entretanto, a instituição que nos rege, que há alguns séculos chamamos de país, usurpa a individualidade e nos transforma parte de um todo. Irã e Afeganistão são, soberanamente, dois todos – que talvez não sejam capazes de entender certas particularidades.

Com a eleição de Donald Trump e o aumento dos embargos econômicos ao Irã, a moeda do país encontra-se em processo de grande desvalorização. Com isso, afegãos que residiam no país vizinho, com suas famílias ou para trabalhar e enviar dinheiro – já não encontram tantos benefícios em ali permanecer. Por mais que criemos uma zona de conforto, morar em um país estrangeiro é algo constantemente desafiador. Kiarostami, então, coloca sua câmera para observar a saída de algumas dessas pessoas. A particularidade dessa relação entre Estados é que o Irã não tinha nenhum controle sobre os afegãos residentes no país, principalmente aqueles que migraram nas décadas de 1980 e 1990. Isso não fica óbvio no filme, mas é provável que parte da economia do país se beneficie da mão-de-obra mais barata dos estrangeiros.

Quando falamos que a xenofobia é outro tipo de preconceito estruturalizado nas sociedades, a prova é que o custo de um empregado imigrante, na média, é bem inferior ao local. É difícil apontar pessoas que, exceto as que empreenderam ou chegaram aos países por força de sua qualificação, façam uma carreira bem-sucedida. Mesmo entre as duas nações de “Exodus”, em que a barreira da língua não é um problema, observamos os relatos que denotam que seus salários não se adequam ao custo de vida local – são sempre pensados como se o fato de empregar imigrantes já fosse digno de reconhecimento do patrão.

A saída que o Irã encontra para tentar estancar a saída desenfreada de afegãos é pedir justificativas para isso e se valer da ilegalidade prévia. Aqui temos a parte mais curiosa do longa-metragem, visto que é muito difícil sermos interpelados no estrangeiro dos motivos que nos levam a retornar ao nosso país-natal. Só que o governo iraniano vai além e promete processar aqueles que provocaram cancelamentos de vistos de residência desnecessariamente, caso retornem tempos depois. Inclusive, estendendo a persecução aos familiares que, porventura, permaneçam lá. Uma maneira de não perder essa força de trabalho, principalmente a que estava em dia com suas obrigações.

A forma como Bahman apresenta “Exodus” é excepcional. Deixando aos agentes da imigração toda a condução, sem qualquer interferência – por vezes a presença da câmera parece sequer ser percebida ou, se foi, resta esquecida. Ganha força quando abre espaço para as conversas entre os agentes. Ali eles se mostram insatisfeitos com o aumento de demanda, os turnos cansativos, a falta de segurança e como é complicado não ter empatia com algumas daquelas pessoas que só querem ir embora. São eles, no final das contas, trabalhadores, como todos aqueles que sabatinam diariamente. Com as medidas econômicas dos Estados Unidos, há uma média diária entre duas mil e duas mil e quinhentas pessoas passando pela fronteira – mas, há dias em que pode chegar a cinco mil. Nem todos vão de boa vontade, há quem more por uma ou duas décadas no Irã e lamente não ter condições de permanecer. Outros confessam que as diferenças culturais sempre pesaram para não se sentir tão bem ali.

Pode até parecer irônico, mas um deles chega a questionar a ausência de divisão de castas nos territórios e espaços públicos. De acordo com um afegão, a identificação de que um sunita está em contato com um xiita antes do desenrolar de uma conversa pode ser algo benéfico e evitaria problemas. É intrigante ouvir relatos de uma cultura que entende a rotulação como um fator positivo. A presença feminina também é outro ponto que naturalmente nos chama a atenção. Bahman Kiarostami opta por dar voz a elas apenas na segunda metade de “Exodus”. Na teoria, elas só podem sair do Irã acompanhadas por guardiões, sem a mesma liberdade de trânsito do que os homens. Quando elas aparecem no filme, mostram que – em muitas situações – tomam a rédea e projetam o discurso que resolva a questão, ignorando essa forma que beira a inimputabilidade com a qual a sociedade iraniana lhe impõe legalmente.

Exodus” possui um final muito tenso, que mostra um desses guardiões obrigatórios se negando a cumprir sua “função”. Ele não quer ultrapassar a fronteira com o Afeganistão porque, pelas leis atuais, caso ele faça esse traslado por três vezes, a imigração pode lhe aplicar uma pena de dois meses internado em um campo de refugiados. Kiarostami nos deixa o tempo todo no posto, jamais nos leva ao outro lado – ou a um desses campos. Traz ao seu filme o mesmo caráter transitório e baseado em pequenas experiências com a qual tratamos os graves problemas que atualmente assolam o planeta.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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