Ferry

Ferry Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Antes de construir um império de droga, Ferry Bouman regressa a casa numa missão de vingança em que a sua lealdade é posta à prova e um amor lhe muda a vida
Direção: Cacilia Verheyden
Título Original: Ferry (2021)
Gênero: Ação | Crime | Violência
Duração: 1h 46min
País: Bélgica | Holanda

Ferry Crítica Filme Netflix Imagem

Só Pode Estar de Brinks

Dirigido pela belga Cacilia Verhayden, a coprodução de seu país com a Holanda, “Ferry“, está entre as inúmeras estreias da semana na plataforma de streaming Netflix, que prometeu uma enxurrada de filmes dos mais diversos cantos do planeta nos próximos anos e, pelo visto, cumprirá. Estrelado por Frank Lammers, o longa-metragem acompanha a trajetória do criminoso Ferry Bouman, determinado a perseguir três jovens que, em um assalto malsucedido, balearam o filho de seu chefe, o mafioso Brink (Huub Stapel).

O roteiro da dupla Nico Moolenaar e Bart Uytdenhouwen, conhecida pelos textos de algumas séries de TV da Bélgica, não ousa. Com isso, a cineasta aplica uma narrativa direta, respeitando a cronologia, acompanhando apenas o protagonista. Capanga de um figurão do crime em Amsterdã, ele viaja para o interior, mais especificamente ao sul da Holanda – território onde o próprio se originou. Com um leque pequeno de personagens, a construção do drama pessoal se forja a partir da conturbada relação com a irmã, Claudia (Monic Hendrickx) e o dilema moral, típico dos filmes do gênero, se origina pela paixão por Daniëlle (Elise Schaap).

Algumas críticas apontam no sentido da obra querer se ambientar no ano de 2006, se pautando em elementos como os modelos de telefones celulares antigos e falhar miseravelmente em sua direção de arte ou no que deveria ser extraído na pós-produção. Há modelos de carros e construções da capital holandesa atuais – além de alguns figurantes acidentais aparecerem de máscaras, comprovando que as filmagens ocorreram já durante a pandemia do novo coronavírus. Um deslize capaz de doer o coração dos mais observadores e de quem prima pela qualidade técnica. Era mais fácil, uma vez não sendo possível remover  tais “problemas”, ignorar essa característica temporal e força a barra com os aparelhos de telefone argumentando ser apenas medo dos criminosos serem localizados optando por não usar smartphones.

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Feito o registro, o que talvez traga alguns interessados a este texto, há uma levada de narrativa interessante em “Ferry“. Sem ter muito espaço dentro do longa-metragem para criar, já que a trama é simples e se limita a perseguir os envolvidos no assalto, Verheyden nos provoca a partir de um protagonista que parece nunca deixar uma dose de humanidade tomar conta de si. Seja na relação com a irmã doente ou na maneira como o amor chega à sua vida, Ferry está determinado a cumprir sua missão, até porque Brink é uma pessoa que ninguém gostaria de contrariar.

Sendo assim, sua ambientação na cidade do interior e as pequenas relações sociais que ele precisa firmar para prosseguir com seu plano, não são capazes de tirar seu foco. Isso mantém o espectador em certo estado de alerta sobre em qual momento haverá a virada de chave – ou se o personagem será implacavelmente cruel e seguirá viagem. Movido pelo vício da cocaína, ele segura essa pressão interna de forma artificial, à base de química. Exatamente na metade do filme, Daniëlle lhe apresentará os efeitos do ecstasy. Então, na primeira vez em que ele se permite perder o controle sobre a realidade, abre-se as portas para um envolvimento que pode fazê-lo questionar seus objetivos.

Só que nem isso traz a quebra de expectativa que todos aguardamos em histórias desta natureza. A diretora deixa no ar quando acontecerá o lapso de humanidade que precisamos para identificar a fraqueza de Ferry. Por sinal, um bom trabalho de Lammers, que não exagera na construção de um homem bruto e por isso não precisa tomar de forma drástica o caminho contrário quando necessário. Cecilia Verheyden, então, nos dá um ato final inteiro baseado na sua humanização. Confronta o peso da perda de confiança de Brink sobre ele e as consequências para os próprios negócios em rever a missão que lhe foi dada.

O longa-metragem é a prova de que não inovar por vezes não é defeito. Ainda assim, “Ferry“, por mais que siga o rumo tradicional das tramas parecidas, consegue trazer na parte final o que muitos nos deixam carente: um aprofundamento dramático. Sem dor e nem a partir de tragédias ou excesso de violência. Por sinal, a temática aqui não é desculpa para representações fortes que usam as questões envolvidas como desculpa para entregar uma obra esteticamente chocante. É linear, sem subtramas e baseada na relação de causa e efeito. Menos foi mais para a diretora, que entregou um original Netflix melhor do que muito figurão espalhado pelo mundo. Só que não poderia deixar aspectos visuais tão marcantes serem flagrados em uma produção de época – mesmo que em um passado pouco distante.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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