Fetiches

Fetiches Filme Francês 2021 Crítica Poster

“Fetiches”, produção francesa, chegou às plataformas digitais. Leia a critica!

Sinopse: “Fetiches” aborda, em tramas paralelas, a história de seis casais e os desejos que envolvem a vida sexual de cada um deles. Com fantasias que vão de role playing ao exibicionismo, eles tentam desvendar os caminhos do próprio desejo nas situações mais inusitadas.
Direção: David Foenkinos e Stéphane Foenkinos
Título Original: Les Fantasmes (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h42min
País: França

Fetiches Filme Francês 2021 Crítica Imagem

O Sexo Como Ele É

A comédia francesa por esquetes “Fetiches”, que chegou ontem nas plataformas digitais de locação, usa o sexo como mola propulsora de sua narrativa. Escrito e dirigido por David e  Stéphane Foenkinos (de poucos trabalhos desde o bonito “A Delicadeza do Amor”, de 2011, protagonizado por Audrey Tatou no auge de sua popularidade), conseguem se atualizar enquanto linguagem na comparação com outros exemplares do gênero na pouca inspirada indústria comercial de seu país nos últimos anos.

Parecia que não conseguiriam fazer isso. Afinal, aceitam para si os desafios flagrantes de transpor para o papel (e depois para a tela) suas vivências e o resultado de uma pesquisa sobre as inúmeras fantasias buscadas pelos humanos contemporâneos. A ideia aqui é mostrar casais de meia-idade em tentativas de apimentar suas relações, em uma escalada de fuga do que convencionou chamar de normalidade no tabulesco ato praticado entre quatro paredes. Na maioria das vezes. Ou, quem sabe, nem seja tão na maioria assim.

A forma de didatizar as esquetes impõe títulos aos capítulos de “Fetiches”. Todos eles fazem jus ao seu nome e nos apresentam formas alternativas de desejos, engatilhados pelos motivos mais curiosos. A ludofilia, que abre a sessão, é um exemplo. Um casal tenta fugir da rotina composta por papai e mamãe criado novas personas para si, despertando tesão a partir desse jogo intrigante de conhecer novas pessoas – apesar de serem bem parecidos com seu marido ou esposa.

O problema é que o homem leva muito a sério sua construção de personagem, a ponto de tecer um longo diagnóstico de hepatite para sua “paciente” que, claro, perderá parte do seu desejo ao ouvir termos técnicos totalmente desnecessários. Já sua faceta de encanador gera transtornos em plena madrugada. Afinal, ele quebra o cano da pia da cozinha para dar mais veracidade à cena, ao contrário das pegadinhas forjadas da televisão brasileira que fingimos acreditar que as pessoas caem. Cada um dentro da esquete encontrará seu caminho. A esposa, que qualifica o marido como “um contador cinquentão”, assistirá o mesmo dar uma guinada em sua vida ao explorar as artes cênicas.

No papel, o longa-metragem lembra muito alguns bons conjuntos de contos e crônicas das relações modernas, algo cada vez mais raro quando trocamos o que chamávamos de mídia e mercado editorial por produção de conteúdo. Essas novas dinâmicas talvez tenham nos colocado em uma situação de carência que torne a experiência de filmes como este mais interessantes do que há algumas décadas. Há quem celebre que essa temática não gere algo tão problemático como boa parte das tramas de “Amor, Casamentos & Outros Desastres“.

A ideia nem é tão fresca, se pensarmos que o espanhol “Kiki: Os Segredos do Desejo” fez algo parecido há cinco anos. A dupla de cineastas demora para fugir da heteronormatividade, quase que assumindo que boa parte do tradicionalismo com o qual tratamos o sexo seja o reflexo de um conservadorismo / preconceito enraizado. Quando amplia seu leque, encontra o tom certo para não exagerar nas tintas das personalidades dos personagens e manter a tentativa de comédia exatamente no ponto em que se propõe: fatos geradores de tesão que fogem do básico.

E assim vamos conhecendo casais que se empolgam quando assistem seus parceiros transando com outros ou que relacionam a morte ao sexo e sentem vontade ao final de velórios e enterros, por exemplo. Interessante dar protagonismo a uma mulher na esquete sobre a dacrifilia (o desejo provocado a partir do choro do parceiro), visto que na masculinidade tóxica muitos homens já usaram essa desculpa para serem ao mesmo tempo cruéis e abusivos em seus relacionamentos.

Mesmo com essa mistura de comédia de costumes com um leve toque de safadeza, “Fetiches” perde fôlego em sua segunda metade. Trata do exibicionismo e da abstinência em construções de histórias cada vez mais óbvias em sua ideia de fugir do óbvio. Assim como boa parte de seus personagens, o filme parece não exercer tanto o poder de liberdade que lhe cabe. Quem sabe a origem seja a mesma que torna tão convencionais nosso relacionamento: o medo do julgamento do outro. Se for isso, o recomendado é assistir sem se preocupar com isso.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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