Filho de Boi

Filho de Boi Haroldo Borges Crítica Filme Mostra SP Pôster

Logo Mostra SP 2020 Sinopse: O filme conta a história de João, um menino de 13 anos que tem uma relação partida com o pai e que sonha em deixar a pequena cidade onde vive, no sertão da Bahia. Quando o circo chega ao povoado, João faz amizade com um palhaço, que o encoraja a enfrentar seus medos. A obra lança luz sobre um Brasil atual, revelando um universo de masculinidade e preconceito onde é urgente se reinventar.
Direção: Haroldo Borges
Título Original: Filho de Boi (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 31min
País: Brasil

Filho de Boi Haroldo Borges Crítica Filme Mostra SP Imagem

Tá Rindo de Que?

O olhar triste de João nos convida a abraçá-lo. O menino, deixando a infância, combina uma certa inocência ao corpo já grande e ainda meio desengonçado daquilo que chamamos de pré-adolescência. O diretor Haroldo Borges ocupando pela primeira vez a posição em um longa, tem a companhia de João – sim, o real divide o nome com o ficcional – no hall de estreantes. Por uma escolha da equipe, tirando o pai da personagem-título, interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos e Salsinha, que se transforma em um contraponto à realidade do interior baiano (e à aridez do próprio Vasconcelos), quase todos os papéis em “Filho de Boi” são interpretados por não atores. A produção do coletivo Plano 3 Filmes é parte da Competição Novos Diretores da Mostra Brasil da 44ª Mostra Internacional de Cinema São Paulo.

A jornada de João é, então, construída no terreno das novidades. Embora o som da mata seca nos recorde que estamos pisando no solo batido do sertão da Bahia, no qual novidades não são muito bem-vindas, o protagonista teima em querer deixar para trás a solidão que o mundo lhe reservou. E nos faz torcer por ele. Sem saber muito bem qual será o destino da personagem, torcemos para que amadureça e encontre em si a força que demonstra no olhar.

Pode parecer ambíguo, mas ao mesmo tempo em que evoca uma sensibilidade fraterna, o menino também desperta o que há de mais assertivo em nós. Assertividade, talvez, apenas encontrada naqueles que deixaram de ser crianças, mas ainda não endureceram o bastante para deixar de crer que o destino possa se apresentar fértil. O entusiasmo com o circo parece vir um pouco desse espaço deixado pela ingenuidade que todos nós, em algum momento, perdemos após os sucessivos tombos que levamos.

Não é fácil. Crescer demanda coragem e, nem tudo passa como nos insistem em dizer ao notarem os primeiros sintomas da decepção. Em “Filho de Boi” vemos o rosto de João passar da desesperança à fantasia e depois pousar abruptamente na coragem – nos fazendo sentir um pouco a sensação dos 14/15 anos. Aquela disposição para se aventurar pelo mundo, mesmo que ele consista apenas em um enfrentamento interno. Às vezes, nossas maiores batalhas são travadas sem que precisemos nos deslocar muito. É bem possível que essas sejam as que nos demandem mais suporte.

O longa-metragem nos joga no mundo quase místico do circo para nos trazer de volta à aridez do olhar julgador e desencantado de um pai que já não vê mais graça. Não sei dizer quando ou qual João nos comove. Sua tristeza é sempre tão verdadeira que não temos certeza se quem chora é João, João ou João, filho de boi. Em alguns momentos parece não haver personagem. Mas é preciso enfatizar que o grande trunfo da obra são as relações entre João e seu pai e João e Salsicha (Vinicius Bustani). É possível que uma só possa existir pela permanência da outra. E, é possível que o filho de boi só exista a partir de João.

Seu nome, aliás, sempre anunciado aqui, só é dito no meio do filme. Até esse momento, convivemos com o filho de boi, apelido dado pelos moradores da pequena Tamburi ao menino abandonado pela mãe ainda pequeno. Silencioso em um grande trecho, a produção vai trazendo aos poucos o passado familiar que apresenta as origens da hostilidade – de seu pai e dos demais moradores. O menino encontra na garupa de seu burro mais afeto que nos braços do familiar. Por isso, quando o circo aparece, não nos surpreende sua decisão de partir.

Contudo, Haroldo Borges trata de situações delicadas no já difícil período sem cair em sentimentalismo ou apresentar soluções mágicas. Embora seja um filme todo norteado e ditado pela sensibilidade de João, “Filho de Boi” cresce com ele. Nem todas as aventuras do mundo superam a realidade, aquela que vem com zombaria, preconceito e se aproveita de nossas fraquezas. Por isso, é preciso ficar e enfrentá-la de frente.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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