Masters in Short

Masters in Short A Visita Jia Zhangke Curta Crítica Filme Mostra SP

Logo Mostra SP 2020Ficha Técnica da Sessão Masters in Short

A Visita (Jia Zhangke, 5′ – China, 2020)
Sinopse: Uma reunião entre dois parceiros de trabalho revela os rígidos protocolos de cuidados impostos pelo novo coronavírus: mascarados, os homens só se encontram após a temperatura do visitante ser medida, do aperto de mão ser recusado e da oferta de álcool em gel no lugar do café. O curta faz parte do projeto Spaces #2, produzido pelo Festival Internacional de Cinema de Tessalônica, na Grécia, que, inspirado pelo livro “Espèces d’Espaces”, do escritor francês Georges Perec, convidou cineastas para filmarem em casa um comentário sobre a nova realidade que vivemos.
O Adivinhador (Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson; 19′ – Canadá, 2020)
Sinopse: Ele trabalha em uma feira sob a alcunha de “Stump the Guesser” e é capaz de adivinhar qualquer coisa por um trocado. Mas, de repente, seus truques param de funcionar. E então ele, involuntariamente, apaixona-se pela própria irmã, que ele acreditava estar perdida. Seu plano é contestar cientificamente a teoria da hereditariedade e se casar com a amada o mais rápido possível. Um filme mudo absurdo em preto e branco.
Os Caçadores de Coelhos (Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson; 9′ – Canadá, 2020)
Sinopse: Um curta-metragem em homenagem ao centenário de Federico Fellini.
Uma Noite na Ópera (Sergei Loznitsa, 20′ – França, 2020)
Sinopse: A partir de imagens de arquivo das décadas de 1950 e 1960, o filme revisita as noites de gala na Ópera de Paris, frequentada por celebridades francesas e internacionais, pela realeza e por chefes de Estado. Com um estilo de edição requintado e humor suave, o diretor Sergei Loznitsa revive a era glamorosa, quando reis, rainhas, presidentes e estrelas de cinema subiram as escadas do templo Garnier em adoração à arte da ópera. Este curta integra o longa-metragem “Celles qui Chantent”.
Escondida (Jafar Panahi, 18′ – Irã | França, 2020)
Sinopse: O diretor Jafar Panahi viaja em busca de uma jovem com uma voz encantadora que foi proibida de cantar pelas autoridades iranianas. Este curta integra o longa-metragem “Celles qui Chantent”.

O Adivinhador Curta Crítica Filme Mostra SP

Histórias Daquele Cinema

A escrita do francês Georges Perec não tinha apego à lógica. A obra literária que inspira a primeiro curta-metragem da apresentação especial “Masters in Short“, exibida na 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, nos apresenta textos em prosa, em verso, desenhos com as letras ou até mesmo uma literatura que se assemelha a fórmulas matemáticas. É como se o escritor, falecido precocemente aos 45 anos em 1982, pudesse nos transmitir um pouco de caos calculado no meio desse momento de reinvenção pelo qual passamos. “A Visita“, de Jia Zhangke, tem apenas cinco minutos e uma narrativa simples: dois homens se preparam para, seguindo todos os protocolos possíveis, se reencontrar com uma sala de cinema no meio da pandemia do novo coronavírus.

Uma decisão que nos foi dada há algumas semanas no Brasil e os mestres em curtas, como a sessão se propõe a chamá-los, não têm culpa das consequências deste ato. As produções que compõe essa apresentação chegaram até mesmo a serem exibidas em festivais presenciais. Outras fazem parte de um longa-metragem de temática diversa. Não há lógica na construção, mas há na pluralidade de linguagens, um passeio pela própria história desta arte. Zhangke, então, abre um portal para nos reencontrarmos, em peças modernas, com métodos de produção de outros tempos – e do nosso tempo.

Os dois curtas-metragens que seguem a apresentação “Masters in Short” são dirigidos por Guy Maddin, Evan Johnson e Galen Johnson. “O Adivinhador” parece surgir como fruto do início da narrativa e da complexificação da montagem. Além disso, ambienta sua narrativa em um lotado parque de diversões – a saudade agora é de qualquer aglomeração e não apenas as que nos remete à infância. Um local onde o cinema se popularizou, no meio de apresentações de freak shows em câmaras escuras que custavam um níquel e originaram a palavra nickelodeon. Ali imagens sobrepostas e uma narração baseada em frases na tela nos remete ao período entre o final da década de 1910 e o início da de 1930.

A exceção do estilo original é a fotografia em preto e branco que não podia ser trabalhada pelas formas rudimentares de captação de imagens. Os cineastas aplicam uma trilha marcada, tal qual a era do cinema mudo, mas trabalham um pouco a textura para que a estética da fase pioneira não empobrecesse o conteúdo.

Os Caçadores de Coelho Curta Crítica Filme Mostra SP

Na base, a criação de uma história carregada de ficcionalidade que os diretores repetirão no curta-metragem seguinte, “Os Caçadores de Coelhos“. Consideram na sinopse uma homenagem a Federico Fellini e talvez por isso aquela sensação de “filme sobre um filme” permaneça. Sai a teatralização dos posicionamentos e interpretações do filme anterior e entra uma narrativa clássica da era dos estúdios. Eles enxugam aquelas sobreposições de imagens e apresentam uma montagem um pouco mais moderna, tal qual um filme dos anos 1940 e 1950. Há uma fotografia preto e branco em determinados momentos, mas aqui ela é usada a favor da trama, como uma ferramenta provocadora de inquietude.

Já a narração, que usava letreiros e frases que compunham a cena (não chegavam a ser intertítulos clássicos, tal qual o primeiro cinema) já se faz pelas palavras da protagonista. Essa relação de formatação de uma retrospectiva não se mantém de maneira tão metódica nos dois curtas-metragens que encerram “Masters in Short” e é possível que um diálogo desta monta seja feita pelo espectador apenas até este ponto. O trio de cineastas, entretanto, faz um lindo trabalho de ode à sétima arte sem que referências marcadas tirem o poder das obras, que são bastante criativas.

Masters in Short Uma Noite na Ópera Sergei Loznitsa Curta Crítica Filme Mostra SP

Até que chegamos em um diretor que me deixou sem palavras no último Festival do Rio: Sergei Loznitsa, que apresenta “Uma Noite na Ópera“. Seu trabalho com os arquivos do dia do funeral de Joseph Stálin em “State Funeral” (2019) é algo impressionante. Aqui ele novamente se vale de materiais desta natureza para mostrar como era uma noite na Ópera de Paris entre as décadas de 1950 e 1960. É incrível como o ucraniano dá nova vida a um conteúdo pré-existente. Tanto este quanto o filme seguinte fazem parte de outro compilado de curtas, chamado “Celles qui Chantent” (em tradução livre, Aquelas que Cantam), lançado e longa-metragem na França há alguns meses.

A ideia deste longa é trazer representações femininas dentro da arte musical. Só que Loznitsa transforma a apresentação que encerra seu trecho “apenas” em um grand finale, criando uma narrativa completa a partir da chegada da audiência (que conta com pessoas ilustres como a Rainha Elizabeth e Charles Chaplin). Com um ar de cine-reportagem em seu trecho inicial, se vincula à trajetória da historiografia do audiovisual por ser o primeiro momento em que o público da sessão “Masters in Short” terá registros de cenários e sons naturais. Um filme que, a princípio, não traria encenações (à exceção da canção final). Porém, nos faz pensar o tempo todo o que ali não é, de fato, encenado.

Fica difícil dimensionar de casa a força do clímax de “Uma Noite na Ópera”, ainda mais quando uma das últimas experiências em uma sala escura foi “State Funeral”. Um “documentário de fruição” que exigiu do final da projeção até o momento de elaboração desse texto um exercício de projeção – e saudade – da tela grande.

Masters in Short Escondida Jafar Panahi Curta Crítica Filme Mostra SP

Encerramos a apresentação com “Escondida“, do iraniano Jafar Panahi. Diretor de algumas das produções mais interessantes dos últimos anos, como “Isto Não é um Filme” (2011) e “Táxi Teerã” (2015), aqui ele nos coloca de novo no ano de 2020 e tudo o que carregou consigo. Ele busca a amiga de sua filha no aeroporto. Ela vai ao Irã em busca de mulheres que produzam com ela uma peça. Feita com, por e para mulheres. Sua missão direta é encontrar uma jovem que tem uma linda voz para ser a atriz e cantora. Uma maneira de trazer um elemento investigativo em um audiovisual moderno, que dialoga com as representações, de forma a conduzi-las sem ser ficcional.

Panahi finaliza “Masters in Short” com tudo o que o cinema contemporâneo é capaz de nos proporcionar. Democratização de produção (tanto na captação para o curta quanto no projeto da peça que lhe serve de mote), globalização das ideias, facilidade de trânsito de pessoas e intercâmbios culturais refletidos em lindas imagens como um tênis, que surge como elemento estranho em uma conversa. Tudo isso dentro da realidade do isolamento social e do “mundo parado” pela pandemia do novo coronavírus. Aqui há um diálogo com o que falamos em “Coronation” de Ai Weiwei, outra exibição especial da Mostra SP. Parece que esses grandes realizadores adquiriram nos últimos meses uma nova missão: nos lembrar que toda a crise é passageira e, quando sairmos diferentes de tudo isso, ainda será preciso buscar no passado nossas referências.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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