Sinopse: “Filhos do Ódio” conta a história de Bob Zellner, neto de um Klansman, que chega à maioridade no Sul dos Estados Unidos nos anos 1960 e se junta ao Movimento dos Direitos Civis.
Direção: Barry Alexander Brown
Título Original: Son of the South (2020)
Gênero: Drama | Biografia
Duração: 1h 44min
País: EUA
Sul Maravilha em Chamas
Chegando ao Brasil nas principais plataformas digitais de locação, “Filhos do Ódio” soa muitas das vezes como um filme que já assistimos. A trajetória de Bob Zellner (Lucas Till), inspirada na vida do ativista, mistura as clássicas releituras de narrativas brancas sobre o período de segregação racial no sul dos Estados Unidos com novas óticas, um pouco mais alinhadas com as representações que evitam a usurpação de discursos. Por trás da celebrada produção de Spike Lee (a lista é quase uma cooperativa com cinquenta nomes entre executivos e associados), há a preocupação estética comum a dramas históricos. Talvez esse insistente déjà vu tire boa parte do impacto da obra, que quer mais rediscutir do que apresentar novas referências.
Baseado no livro “The Wrong Side of Murder Creek” (escrito por Zellner ao lado de Constance Curry, os dois primeiros brancos a participarem do Comitê de Coordenação de Estudantes Não-Violentos), tanto a adaptação do roteiro quanto a direção ficaram a cargo de Barry Alexander Brown, montador de confiança de Lee, indicado ao Oscar há dois anos por “Infiltrado na Klan” (2018). Essa ideia da branquitude enquanto olhar perpassa toda a experiência do filme – e longe da ideia do white savior tal qual mencionamos em “Uma Skatista Radical“. Aqui os preceitos ligados à postura de aliado são reafirmados sempre que possível.
A tal impressão de repetição de narrativa é resultado de um mundo que não aprendeu com seus erros, mesmo os mais recentes. Enquanto sociedade, ainda relativizamos racismo e crimes de ódio, usando todo o tipo de desculpa para oprimir e, quando possível, segregar. O período de luta em favor dos direitos civis nos Estados Unidos parece que nunca envelhecerá – vide a profusão de projetos audiovisuais que chegaram no circuito no último ano, boa parte com menções no Oscar de 2021. Todavia, ao contrário do “Green Book – O Guia” (2018), que insiste em girar a roda ao contrário, aqui o protagonista precisa se adequar às maneiras possíveis de fazer parte de um movimento.
O cineasta não consegue ancorar esta narrativa em momentos de grande destaque. É regular, mas de intensidade baixa. Quando se permite ser mais direto, é didático na forma como evoca o sofrimento de uma comunidade que sofre todo o tipo de violência. Na sequência mais desafiadora, em que Bob é mal recebido em uma lanchonete onde ele é o único branco, o diretor passa longe de levantar a abominável bandeira do racismo reverso (e inexistente). A preocupação em se manter dentro do discurso possível traz um resultado fiel e carregado de méritos – por mais que isso impacte nas sensações provocadas pelo filme.
Com um time de consultoria dentro da equipe de produção, as representações se tornam quase imune às críticas. Porém, no conteúdo “Filhos do Ódio” usa grande parte do expediente padronizado do cinema comercial. Insere uma trilha country demarcada, desenvolve um dilema amoroso que quase nos faz perder o fio da emancipação do pensamento daquele homem que entende que sua formação acadêmica não é a única. Atraído pelas falas de Rosa Parks (Sharonne Lanier), ele e seus colegas de faculdade metodista se arriscam para se aprofundarem na luta por uma sociedade igualitária. Acabam conhecendo grandes ícone da luta política da época, que transitam pela obra e concentrando boa parte da fluidez narrativa e dos interesses despertados.
O Movimento Negro obteve avanços no período com uma mistura de organização e pulverização de meios utilizados. Eles aparecem de forma periférica no longa-metragem, mesmo que o respeito pela forma de explorar evite o conflito. Temos um grupo que quer tornar aplicável os métodos não violentos, em oposição a ideia de fight back de outros núcleos combativos. Claro que não há certo e errado, são mecanismos complementares. Parte da escolha depende também da experiência prévia do indivíduo. Portanto, Zellner se sente mais instigado a evitar a agressão como resistência enquanto aliado. Uma maneira de fazer diferente enquanto homem branco oriundo de uma família de membros do Ku Klux Klan.
Parte dessas conclusões acabam gerando um excesso de demanda pela verbalização – como na sequência em que ele concede uma entrevista e mastiga essas referências, para que não permaneça dívidas acerca de suas intenções. Como falamos na crítica de “Tempo de Matar” (1996), o tempo é outro e se não fecharmos certas portas para interpretações extensivas, algumas criações acabariam contando a favor da reprodução do racismo estrutural. Enquanto risco de fruição da arte, soa romântico, mas com potencial destruidor para uma sociedade em franca disrupção.
Por mais que o gosto de uma obra pouco ousada e mais engessada permanece ao final, sua reflexão sobre a resposta a ser dada na última cena comprova que “Filhos do Ódio” se ergue como uma biografia que consegue trazer seu protagonista exatamente como ele precisa ser: um indivíduo em constante desconstrução.
Veja o Trailer: