Fuga

Fuga Flee Crítica Documentário Pôster

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Sinopse: “Fuga” nos apresenta Amin Nawabi (pseudônimo), um intelectual altamente graduado de 36 anos, luta com um segredo doloroso que manteve escondido por vinte anos e que ameaça desestabilizar a vida que construiu para si e para o futuro marido. Recontada pelo diretor Jonas Poher Rasmussen, seu amigo próximo, a história extraordinária da viagem feita por Amin na infância, como refugiado afegão, vem à luz pela primeira vez. História de autodescoberta, a animação mostra que só quem confronta o passado pode criar um futuro, e só quem para de fugir de si mesmo descobre o verdadeiro significado de ter um lar.
Direção: Jonas Poher Rasmussen
Título Original: Flee (2021)
Gênero: Documentário | Animação
Duração: 1h 30min
País: Dinamarca | França | Suécia | Noruega

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Viver de Verdade

O filme de abertura do Festival É Tudo Verdade 2021 é “Fuga“, que começou sua trajetória pelo circuito de festivais vencendo o importante Grande Prêmio do Júri do Festival de Sundance há algumas semanas. Dirigido pelo dinamarquês Jonas Poher Rasmussen, o documentário em animação tem tudo para se destacar nos próximos meses – incluindo o eventual interesse causado pela contribuição na produção de Riz Ahmed, no auge de sua carreira após protagonizar o espetacular “O Som do Silêncio“.

Histórias reais, partindo de depoimentos alinhados à linguagem de animação não são novidades e costuma nos entregar boas obras, como o israelense “Valsa com Bashir” (2008) e, se pensarmos que se trata de uma autobiografia narrada pela própria Marjane Satrapi, um dos meus preferidos, “Persépolis“. Aqui o resultado não é diferente, apesar do cineasta tentar seguir de forma paralela dois arcos que nem sempre se encontram e podem soar isolados em muitos momentos.

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Fuga” conta a história de Amin, que não tem a identidade real revelada por questões óbvias. Ele é um refugiado afegão na Europa desde a ascensão do mujahidin em seu território de origem. Um jovem gay que não consegue manter seus laços originários após a ascensão do extremismo religioso, bem mais violento e menos regulamentador que as experiências que ficamos conhecendo em nosso texto sobre “Welcome to Chechnya” (2020). De forma linear, o protagonista lembra de sua infância, a relação com o irmão, a consciência sobre sua homossexualidade e os caminhos que percorreu para se estabelecer na Europa com segurança.

Estamos diante de um refugiado que tem, na origem de sua necessidade de mudança, o aspecto político. Porém, Amin tem muitas outras camadas enquanto indivíduo e isso acaba trazendo ao filme uma dupla característica. A primeira, positiva, é de que parte de uma situação de exceção, particular de uma realidade, para atingir o universalismo em inúmeras questões – tanto nos laços familiares quanto em relação à sexualidade. A outra, nem tão positiva, é que Rasmussen em vários momentos tenta retomar pontos de uma historiografia da guerra civil do país que não se articulam tanto com a jornada do biografado.

A primeira fuga é para a Rússia e, ao chegar em Moscou, o refugiado compreende que deixar o território de conflito é apenas uma das etapas do seu caminho de descoberta e luta por dignidade. Quando sai da linguagem de animação, o documentário nos entrega imagens muito fortes. Não apenas pela violência, mas pelo tom profético como alguns se manifestam em arquivo sobre o Afeganistão do final da década de 1980. “Os EUA encontrarão aqui outro Vietnã“, um deles diz. E, de fato, a chamada Guerra ao Terror trouxe pouca estabilidade ao Ocidente e promoveu um caos ainda maior no Oriente Médio.

Quando Amin está no caminho da Rússia para a Suécia ele começa a absorver uma condição mais de apátrida do que o estabelecimento de novas relações. Entende que as manifestações de preconceito sobre suas origens e sexualidade ultrapassaram o que acontece em seu país. É quando Rasmussen retoma a animação e essa ganha contornos mais traumáticos, como se estivéssemos mergulhados nos pesadelos de Amin, bem mais próximo de um documentário poético. As consequências da perseguição a outros entes de sua família serão ainda mais cruéis e reais.

Quando foca no indivíduo, a obra funciona bem mais em sua leitura sentimental. Faz uma viagem através das músicas e culturas exportadas pelo Ocidente, que começa com A-Ha e filmes de Jean-Claude Van Damme e chegam na presença de “Veridis Quo“, música inesquecível do duo Daft Punk, que surge como uma libertação. Todas referências que contribuem para o avanço na biografia e em nosso entendimento sobre Amin. Com isso, “Fuga” acaba disfarçando bem as pontas sobre a situação política e social, que deixa soltas até com um pouco de superficialidade. Atingindo de forma contundente o exercício de empatia do espectador e equilibrando a violência da realidade com a dinâmica de sua animação, está pronto para ser um sucesso na próxima temporada.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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