Sinopse: Em “Fuja”, Diane criou sua filha, que usa cadeira de rodas, mantendo-a totalmente isolada do mundo exterior. Mas quando Chloe descobre os segredos sinistros de sua mãe, tudo que ela acreditava ser verdade começa a desmoronar.
Direção: Aneesh Chaganty
Título Original: Run (2020)
Gênero: Thriller | Mistério | Drama
Duração: 1h 30min
País: EUA | Canadá
Ser o que se Espera
Após o sucesso de seu primeiro longa-metragem, “Buscando…” (2018), o diretor Aneesh Chaganty apresenta seu novo trabalho, “Fuja” pela plataforma de streaming Netflix (já que não há Hulu no mercado brasileiro). Um filme que segura bem o mistério por trás da história de Diane (Sarah Paulson) e sua filha Chloe (Kiera Allen, um raro caso de representatividade de pessoas com deficiência). Ao optar por não misturar estações, o cineasta ancora as cenas de acordo com as transições que a história pede. Quase como várias abordagens de gênero dentro de uma mesma obra. Algo que pode incomodar os que busquem unidade, mas o artifício funciona na condução de sensações do espectador.
O filme tem prólogo e epílogo fortes. Na ponta inicial, a jovem Diane aparece desesperada enquanto sua bebê parece lutar pela vida em uma incubadora. Os créditos são precedidos de uma lista de doenças e condições físicas limitadoras da saúde da adolescente Chloe, que será a protagonista do longa-metragem. Com dificuldades de locomoção e vivendo uma rotina a base de remédios controlados, ela começa a duvidar da mãe quando a nova medicação parece deixá-la em um estado pior. A parte final desse texto – como bem anunciaremos – entrará no terreno de spoilers. Até a vilania de Diane ser revelada, entretanto, a trama escrita por Chaganty ao lado de Sev Ohanian nos permite viajar em nossas próprias dúvidas.
O público, que já foi induzido a acreditar que a personagem de Paulson vivia um trauma, avança na história sempre questionando qual das duas versões merece ser comprada: se a da mãe preocupada com a falta de adaptação dos novos remédios prescritos para a filha em confusão mental ou se da adolescente, que – em meio a um susto – começa a construir na sua cabeça a tese de que a pessoa mais importante da sua vida está lhe fazendo mal. As cenas de “Fuja” seguem manuais rígidos. Portanto, thriller, mistério e drama são pulverizados, divididos, com os devidos acompanhamentos de montagem e trilha sonora para que os propósitos sejam cumpridos.
Poderíamos questionar tanto a fluidez quanto o fato de que a grande dúvida do espectador é sanada ainda na metade da sessão. Porém, o que lhe segue funciona. Se pensarmos em terror baseado no cárcere privado, do mais exploratório como “Louca Obsessão” (1990) (referenciado na farmacêutica de nome Kathy Bates) à perturbação pela ausência de informação como o ato inicial de “O Quarto de Jack” (2015), falta muito para que possamos dizer que este longa-metragem atinge um equilíbrio ou uma autonomia. Possui momentos que não se conectam com tanta naturalidade a outros, mas, são apontamentos que não atingem diretamente sua qualidade. Paulson entrega na antagonista a mistura de maldade e medo, traz para Diane uma potência dramática na interpretação. Quando perdemos a confiança, ela nos dá meios para ir contra ela.
ATENÇÃO! Dificilmente faço isso, mas as revelações de enredo são parte importante de “Fuja” e o filme é muito novo. Portanto, vale mencionar que estamos agora em terreno de spoilers.
Quando mencionamos que o mistério sobre as reais intenções de mãe e filha parecem se revelar muito cedo é que, uma vez entregue o antagonismo de Diane, o público passa a buscar as suas motivações. Por mais que defendamos a ideia de que não ter explicação não é um defeito e faz parte da experiência viajar sobre as possibilidades, a forma direta como o filme apresenta sua narrativa motiva esse desejo. Poderíamos até dizer que saber o que faz a mãe deixar a filha sob maus tratos é grande parte do que nos impulsiona, até ter certeza de que ela sofre de Síndrome de Munchausen por Procuração.
Nesse momento, a força do epílogo é fundamental para a nossa conexão. Para quem chega aqui buscando explicações, posso dar apenas minha versão – a de que o único motivo da tirania obsessiva de Diane é o medo de ser descoberta – e não há como não lembrar do caso de Vilma Martins Costa, presa em 2013 pelo sequestro de dois bebês. Ela resgata as limitações dos problemas oriundos do parto e mantém Chloe em um estado de doença constante e irrecuperável. Talvez essas verbalizações tirassem parte da força da trama, mas, deixar a questão em aberto é um risco para o público voltado ao caminho da explicação.
Só que todo esse risco some na impressionante cena final. Ali o medo da personagem de Sarah Paulson é materializado, ela está presa e debilitada – e a Terra capota em favor de Chloe, em processo de recuperação de si, que inclui uma fria vingança. Assim como Pedrinho, que mantém contato com Vilma porque desconsiderar um vínculo maternal não é algo que se consegue em um clique, aqui a protagonista vivida por Kiera Allen gosta de ser lida desta forma. Um raro caso de suspense que, mesmo não inovando, entrega o que se espera. “Fuja” não deixa o gosto ruim na boca de conclusões precipitadas ou forçadas. É exatamente aquilo que gostaríamos que fosse.
Veja o Trailer: