Sinopse: Rachel está atrasada para o trabalho e cruza o caminho de um motorista lento no semáforo. Após um ataque de raiva do estranho, uma discussão normal de um dia no trânsito acaba se tornando uma perseguição sem limites, com o objetivo de mostrar para Rachel e sua família as consequências de um dia ruim em sua fúria incontrolável.
Direção: Derrick Borte
Título Original: Unhinged
Gênero: Ação | Thriller | Violência
Duração: 1h 30min
País: EUA | Reino Unido
Espiral de Ódio
“Fúria Incontrolável“, que chegou hoje na catálogo da Amazon Prime Video sobre o selo de produção original, é mais uma obra de um gênero muito popular no consumo doméstico. Um thriller curto, de premissa simples, adaptando um aspecto da sociedade contemporânea a uma lógica da indústria do cinema dos Estados Unidos. Desta vez, na linha de frente do longa-metragem, a presença de Russel Crowe – que foi indicado para o People’s Choice Awards como “estrela de filme dramático”, perdendo para Lin-Manuel Miranda, de “Hamilton” (2020).
Sem nome, creditado como The Man, ele traz um protagonista convincente em seu viés amedrontador e violento. Um ator com recursos, que anda muito em baixa em Hollywood e que encontrou um projeto que lhe permita pagar alguns boletos. Chega no streaming sem passar pelos cinemas, assim como “Enquanto Estivermos Juntos” – dois lançamentos do hemisfério norte do final do mês de agosto, quando parecia que a primeira onda da pandemia seria a única a afetar o funcionamento das salas. Sem dúvida uma coincidência, alguns apontam forte semelhança da trama de “Fúria Incontrolável” com a produção holandesa “Bumperkleef” (2019).
De tiro curto, um pequeno prólogo mostra o personagem ateando fogo na casa onde morava. Parecia que teríamos uma construção de personagem mais direta pelas mãos do diretor alemão Derrick Borte. Porém, passada essa pirotecnia inicial, os créditos surgem daquela forma contextualizante de um filme de ação. Diversas transmissões de rádio e TV abordam uma doença do nosso tempo: o estresse. A interessante sequência inicial, que usa o simbolismo da aliança para trazer uma gênese do ódio sentido pelo Homem, encontrará outra ponta na figura de Rachel (Caren Pistorius), uma jovem mãe que precisa lidar com a sua separação, se adaptando a uma rotina que tem feito seus melhores clientes a abandonarem enquanto ela precisar dar mais atenção ao filho Kyle (Gabriel Bateman).
É provável que muitos relacionem “Fúria Incontrolável” com o clássico (?) “Um Dia de Fúria” (1993), dirigido por Joel Schumacher e que, esse sim, é um poderoso estudo de personagem. Há uma dupla referência noventista, já que o roteiro de Carl Ellsworth vai explorar um plot parecido para fazer do longa-metragem uma obra de perseguição. Por vezes, lembrando o clássico (?) “Breakdown – Implacável Perseguição” (1997), de Jonathan Mostow. Os pontos de interrogação se justificam apenas pelo recorte geracional, já que estamos diante de produções que moldaram uma cinefilia em home video em outros tempos. Ellsworth é um roteirista de poucos trabalhos emplacados e parece beber da fonte desta época, marcada por grandes sequências de destruição de carros – basta lembrar da cena inicial de “Paranoia” (2007) – esse não-clássico, mas escrito por ele.
Estamos diante de um filme que traz a questão da incivilidade. Enquanto uso de linguagem de gênero, a experiência é boa. Incomoda na montagem inicial o uso de falsas simetrias, colocando todas as “fúrias” no mesmo balaio. Discursos de ódio, surtos pessoais, movimentos legítimos (e as reações da polícia a eles) e, naquele utilizado por Borte, discussões de trânsito, são origens bem diferentes entre si. Quando superamos esse reducionismo, o longa-metragem engrena. Até atinge um objetivo disfarçado naquela abordagem primária, fazendo refletir sobre o impacto do estresse na sociedade e o custo ao Estado.
Como um thriller gestado para andar sem olhar para trás, com todas as motivações expostas e se concentrando na ação, o que vemos é uma sequência de eventos que formam uma escalada de violência. De maneira crescente, o longa-metragem inicia seu terço final em uma perseguição em uma rodovia que o leva a um aumento no seu potencial de destruição, naquele entretenimento espetacularizante que os Estados Unidos investe quando em sempre. Crowe, como já foi dito, assume bem a figura assustadora do Homem sedento por vingança, que viu em uma buzinada do carro ao lado em o sinal um gatilho para acabar com tudo o que vê pela frente, com requintes de crueldade.
Usar “Fúria Incontrolável” para debates éticos seria pouco proveitoso – até porque qualquer intenção se esvai quando a ação toma conta desde o princípio. Ainda choca assistir humanos se relacionando com um olhar descartável, como se fossemos incômodos insetos que entraram voando pela janela – e o ideal é matar o mais rápido possível para voltarmos a ter paz. Uma analogia que Hollywood fomentou, que endureceu nossa carcaça e, tantas décadas depois, ainda é capaz de nos divertir.
Veja o Trailer: