Geografias da Solidão

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Sinopse: Nem só cavalos, aves e insetos habitam a remota Ilha Sable, na costa do Canadá. Há décadas, suas belas paisagens são também campo de trabalho para a naturalista Zoe Lucas, além de ponto de atraque para resíduos plásticos vindos do além-mar. Em uma impressionante experiência imersiva filmada em 16mm, o documentário se aproxima com delicadeza de Lucas e da vida na ilha. Em “Geografias da Solidão”, aliando a experimentação formal à perspectiva ecológica, a cineasta canadense Mills mira uma das mais urgentes questões de nosso tempo.
Direção: Jacquelyn Mills
Título Original: Geographies of Solitude (2022)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 43min
País: Canadá

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Embalada à Plástico

A cobertura online do 11º Olhar de Cinema de Curitiba, concentrando os longas-metragens da mostra Outros Olhares, chegou ao fim com a produção canadense “Geografias da Solidão“, documentário mais próximo do experimental da cineasta Jacquelyn Mills. Nele, acompanhamos as experiências da pesquisadora Zoe Lucas, que acreditou que faria uma pequena pesquisa na Ilha Sable em meados da década de 1970 e até hoje não conseguiu deixar de se envolver com as descobertas do local.

O objetivo a longo prazo da obra é a trazer as crescentes demandas acerca da sustentabilidade, mostrando parte dos reflexos do uso indiscriminado de plástico mesmo em ecossistemas distantes e inóspitos como o arquipélago bem ao norte da América. Porém, a realizadora faz conexões sensoriais que transformam o filme, em parte, em uma biografia. Usando a primeira paixão da ambientalista, aquela que envolve cavalos, a montagem inicia nossa viagem pelas planícies do local e a exploração da beleza dos equinos que ali residem.

Aos poucos, “Geografia da Solidão” vai adicionamento seres, elementos e conexões mais complexas. Há sequências de abordagens bem similares às produções audiovisuais sobre Natureza mais tradicionais. Nesses momentos, o espectador se contentará com a beleza e as diversas formas como a vida pulsa na tela. Porém, os momentos mais interessantes do documentário são quando há uma experimentação da matéria fílmica. Boa parte com o uso de reações químicas ou a exposição dessa materialidade à ação da própria Natureza – incluindo enterrar algumas das sequências.

Captando sons de besouros ou lesmas na areia, encontrando um padrão e fazendo música com eles, por exemplo. Em entrevista da realizadora para o canal oficial do festival no YouTube, ela fala desta influência do espírito curioso de Zoe Lucas nessa experimentação já citada. Viajando três vezes entre 2017 e 2019 – em períodos do ano e estações diferentes – traçar o panorama de um lugar isolado é difícil. Do material original, a montagem da própria Mills se tornou um outro desafio, contando a mesma com dois editores colaborativos na parte final do processo. Em sua fala, ela trata da escolha do uso da película de 16mm enquanto atributo estético e que, por tabela, acabou trazendo um componente ecológico à obra.

Há espaço para conteúdo informativo, traçando nas cenas contemporâneas as transformações da ilha. A principal delas é a do assoreamento dos lagos e todo o impacto que isso causa. A ideia de solidão, uma provocação que vem desde o título, parece remeter à própria função de Zoe na sociedade. Seus ideais, demandas e pesquisas a levam a vagar por espaços que não deveriam registrar tanto a ação humana. Percebê-los, então, é o grande sinal de alerta que ela tem a nos dar.

E é na parte final de “Geografias da Solidão” que a questão ambiental ganha corpo. Ao começar a recolher parte do lixo encontrado, a metódica pesquisadora começa a mapear a origem de tanto plástico. Divide as cabeças de balões de festas e as fitas de festas comemorativas por cores. Separa por temática os balões que chegam pelo mar. Ali naquele microcosmo distante do continente, ela consegue chegar a conclusões sobre nossos hábitos e culturas apenas a partir do lixo. Estudar, ressignificar e criar arte pelo descarte não é algo novo – mas o isolamento social latente da ofício praticado pela protagonista talvez não permita que ela dimensione o impacto do desempenho das suas funções.

Após registrar tantas viagens do plástico pelo oceano (e devolver alguns dos balões para os donos), Zoe Lucas poderia defender de forma cega aquela que é uma das principais soluções possível para tentar salvar o planeta. Mesmo assim ela sabe que, inseridos em uma sociedade de consumo, viver com menos plástico é muito mais difícil do que deveria ser. Aboli-lo soa como utopia. Em sua reflexão, faz uma pergunta que temo nunca sabermos a resposta: como fazer a mudança?

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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