Indústria Russa

Indústria Russa

Sinopse: A AvtoVAZ Car, antiga fábrica da Lada, não é só uma das maiores fábricas de automóveis do mundo; construída nos anos 1970 na cidade russa de Tolyatti, às margens do rio Volga, chegou a representar o milagre da prosperidade soviética. Quase cinco décadas mais tarde, a fábrica perde bilhões de rublos todos os anos enquanto a produção vai decaindo. Em “Indústria Russa”, quando Bo Andersson, gerente sueco especializado em salvar companhias em dificuldades, é contratado, se depara com obstáculos muito maiores do que a simples má gestão.
Direção: Petr Horky
Título Original: Švéd v žigulíku (2017)
Duração: 1h 4min
Gênero: Documentário
País: República Tcheca | Rússia

Indústria Russa

Nenhum Passo À Frente*

Aqueles que gostam de tripudiar do regime soviético, costumam citar o design pouco atraente dos Ladas importados ao Brasil nos anos 1990 como prova de que o Socialismo não dá certo. Em “Indústria Russa“, documentário dirigido por Petr Horky, temos contato com a clássica fábrica desses automóveis para dialogar – mesmo que em uma visão bem aproximada – sobre a forma como os russos tratam suas tradições e cultura.

Por sinal, a indústria automobilística russa vai muito além do Lada. Mesmo assim, a montadora AvtoVAZ ocupa um espaço estratégico na economia do país. Com mais de 40 mil funcionários, vivia uma crise em 2014 e buscou no gerente sueco Bo Andersson uma forma de sair do atoleiro. Ele se torna, então, o primeiro estrangeiro a dirigir a companhia e chega à cidade de Tolyatti com ideais de modernização. Mais de 5% da população de quase 800 mil habitantes trabalha na fabricação dos Ladas – tornando a região muito dependente da empresa.

Mais do que isso, a AvtoVAZ é um símbolo cultural. Horky traz, como contraponto ao protagonismo de Bo, um senhor chamado Viktor. Ele entende que sua vida e conquistas, bem como das pessoas próximas, está intrinsecamente ligado às tradições. É aquele saudosismo projetado, de um passado em que a prática de esportes no rio Volga era valorizada e que o senso de comunidade – típico de um regime socialista – era mais aflorado. O documentário deixa ao espectador as conclusões sobre os benefícios e malefícios da modernização pregada pelo novo dirigente da empresa – mas há, na centralidade de sua figura, aspectos que não passam despercebidos.

O que mais chama a atenção em “Indústria Russa” é que Bo, em sua doutrina de tubarão corporativo, não tem nenhuma ideia do que se passa naquela sociedade. Também não faz questão alguma de se integrar ou intercambiar. Com essa forma de atuar, o esmagamento cultural se tornaria a óbvia consequência. Levado a festejos tradicionais, ele sempre parece desinteressado com tudo aquilo. Exatamente no meio da projeção, a sequência mais interessante do longa-metragem. Quando Bo finalmente consegue lançar o novo modelo do carro, a apresentação utiliza dançarinos de break e uma moça cantando um standard norte-americano. Aquele verniz universalista que, no caso de um país com fortes símbolos como a Rússia, é quase um ataque à honra.

A população se incomoda com as decisões do gerente. Não apenas pelas demissões em massa, mas porque se questiona até que ponto vale a pena o progresso e a modernização, se o preço a se pagar é a perda de identidade. Cada vez menos esse debate tem espaço na sociedade, parece que engatamos uma quarta marcha globalizante que transforma em pó tudo o que não é franquia. Em outra obra do festival, “Push: Ordem de Despejo” (2019) falei de como não acreditava que trocaríamos com tanta facilidade o “café da esquina” pelo ambiente hermético da Starbucks. Nos grandes centros urbanos brasileiros, aceitamos fácil. Mas há quem veja na resistência cultural um dos últimos pilares da nossa autonomia como povo único.

Enquanto Bo levava a AvtoVAZ Car ao século XXI, no chão das fábricas os trabalhadores protestavam. Despeitado, ele chega ao fim dizendo que “se soubesse o que encontraria, não teria aceitado o cargo”. Pois o erro dele foi não ter procurado saber. Mesmo que não vislumbremos conhecer todas as culturas do planeta, respeitá-las e esperar que elas sejam muito diferente dos nossos métodos é fundamental. A empresa bateu recordes de venda, mas deixou um rastro de desempregados e as reclamações foram levadas em consideração, acabando com a demissão do sueco. Ou seja, “Indústria Russa” é um curioso caso em que todos os envolvidos atingiram seus objetivos – mas todos, no final da história, acabaram sendo derrotados.

*Título em referência a fato histórico ocorrido em 28 de julho de 1942. Nesta data, Josef Stalin lançou a Ordem 227, que continha a frase “Nenhum passo atrás” – em referência ao desejo de recurar de alguns Comandantes do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial. A frase acabou se tornando um slogan antifascista. A brincadeira diz respeito ao desejo dos moradores de Tolyatti, onde acontecem as ações de “Indústria Russa”, de frear o ímpeto modernista do protagonista do filme.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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