Irresistível

Irresistível Crítica Filme Telecine Pôster

Sinopse: Em “Irresistível”, Um estrategista político democrata (Steve Carell) tenta ajudar um veterano de guerra a vencer a eleição municipal em uma cidade predominantemente de direita, no estado de Wisconsin.
Direção: Jon Stewart
Título Original: Irresistible (2020)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 41min
País: EUA

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Rural Office

O sistema eleitoral norte-americano, que por si só é uma piada para uma nação de pretensões tão democráticas, costuma ser alvo de boas comédias. “Irresistível“, uma das estreias da semana no Telecine, é mais uma delas. Trazendo a estreia na direção do comediante, apresentador e roteirista Jon Stewart, o filme estrelado por Steve Carell consegue atualizar sua abordagem sobre a rotina política do país, usar as armas do arsenal humorístico da estrela de seu elenco e trazer boa parte dos elementos satíricos de outros exemplares do gênero.

Quando este tipo de criação falha, entretanto, o resultado é algo tenebroso. Mike Nichols estava irreconhecível quando colocou na praça “Jogos de Poder” (2007), mesmo com uma lista de atores e atrizes de dar inveja. Já a segunda adaptação do romance “All The King’s Men”, em “A Grande Ilusão” (2006) ficou marcado como uma das obras mais confusas dos últimos tempos no cinema comercial estadunidense. Já a primeira versão, não. Vencedor do Oscar de melhor filme em 1950, trazia um inspirado Broderick Crawford no papel de Willie Stark, um homem comum que ganha projeção política na zona rural dos EUA após se destacar por um discurso em prol da justiça social.

Algo parecido encontramos em Jack Hastings (Chris Cooper). Ao viralizar na internet em um vídeo onde pede melhores condições de vida em sua cidade, ele chama a atenção de Gary Zimmer (Carell), veterano coordenador de campanhas eleitorais. O cineasta usa uma formatação parecida com os episódios da série “The Office” (2005-2013), um marco na carreira do ator. Mais distanciado de uma áurea romântica vinculada ao sufrágio, o longa-metragem é bem mais debochado e escrachado do que aquele dirigido por Robert Rossen há mais de setenta anos. Trazendo mais para perto do nosso tempo, é menos inocente do que a proposta de Ivan Reitman em “Dave – Presidente por um Dia” (1993), sendo engraçado de maneira diferente. Não ousa criar mensagens entrecruzadas com romance, tal qual Rob Reiner (em texto de Aaron Sorkin, de “Os 7 de Chicago“), como em “Meu Querido Presidente” (1995).

Irresistível” é mais próximo da viagem boa de Mike Nichols, que se tornou “Segredos do Poder” (1998). Ao observar o volume de referências e a época em que elas foram lançadas, observa-se que sua maioria ocorreu durante o governo de Bill Clinton. Uma época em que escândalos sexuais e um comportamento mais bufão do líder do país trouxe a ideia de que a política é um teatro, quase uma chacota. A América parecia pronta para viver tempos parecidos, agora pelo lado republicano, na figura mitômana de Donald Trump. Isso justifica o uso de um plot baseado na eleição do sexto distrito da Geórgia em 2017 por parte de Stewart como um poderoso material de universalismo narrativo.

Inclusive, a obra usa a descrença sobre sua vitória como uma prova de que tudo é possível. Aqui, Gary fará de Jack candidato a Prefeito de uma pequena cidade de Deerlaken, no Wisconsin, reduto conservador e território que torna quase impossível o estabelecimento de um governo democrata. Uma vez, um livro de História que trazia análises críticas do passado me disse que “não há nada mais parecido com um republicano do que um democrata – e vice versa“. No filme podemos observar esta forma do jogo político norte-americano se basear, moldando figuras aos interesses da localidade, tornando a polarização mais turva – e contraproducente, já que o eleito reproduzirá as mesmas resistências de avanços da sociedade daqueles que o elegeram.

Portanto, a comédia de “Irresistível” se mostra uma atualização de discursos – e como eles se confrontam com uma comunidade bem menos tecnológica do que seu protagonista estava acostumado a vivenciar em grandes centros urbanos. O apego pelo visual, nos vídeos de campanha e o marketing agressivo precisam dividir espaço com panfletos entregues na calçada. Vale tudo na estratégica de tornar mais azul o território vermelho e Rose Byrne surge como Faith, uma coordenadora do partido de oposição, que impulsionará o adversário de Jack.

A receptividade no seu país, claro, só poderia ser ruim. Jon Stewart coloca a América diante do espelho da pior maneira possível. Desmistifica seus líderes logo nos créditos iniciais, com uma sequência de fotos de arquivos de ex-presidentes e presidenciáveis naquela velha tática cafona de comer com eleitores em restaurantes populares, geralmente pratos cheio de gorduras que eles não conseguem nem olhar (exceto Clinton, que assume bem o papel de tiozão do churrasco). Isso tudo ao som de “Still the Same“, clássico de Bob Seger, música que se encaixa tão bem que parece ter sido composta para a classe política privilegiada, que entra neste jogo de cartas marcadas em que eles sempre vencem e nós perdemos.

Para não dizer que a Apostila de Cinema está vendendo gato por lebre, registre que se você não gosta ou já se esgotou do humor de Carell ou das representações de Stewart, não deverá achar tanta graça assim no filme. Para aqueles que duvidam das intenções e apostam no sucesso acidental, o ato derradeiro de “Irresistível” confirma a consciência do olhar crítico aplicado pelo seu realizador. Inicia com embates éticos que soam até cansados, preguiçosos – e termina com uma demonstração do quanto o povo é mais sábio do que pode parecer, em uma reparação histórica econômica bem divertida. Por fim, ainda adiciona uma entrevista nos créditos e a voz contemporânea de Vance Joy (com “Mess is Mine“), mostrando que o referencial de Seger e toda a sátira imposta no seu desenvolvimento também eram partes de um grande e calculado deboche.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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