O Buscador

O Buscador Filme Cinema Brasileiro Crítica Pôster

Sinopse: “O Buscador” retrata a história da jovem Isabella (Mariana Molina), filha de um poderoso político que cresceu cercada de luxo e que se apaixona por Giovanni (Pierre Santos), um líder de uma comunidade sustentável que prega o amor livre. Isabela abandona sua vida de conforto para construir uma vida diferente e, após quatro anos longe de casa, tenta uma reaproximação com a família, descobrindo que seu pai está envolvido em um dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. Impactada pela situação, ela decide enfrentar os fantasmas de seu passado.
Direção: Bernardo Barreto
Título Original: O Buscador (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 28min
País: Brasil

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Hipocrisias Condicionantes

Chegando ao circuito comercial brasileiro após passagem pelo Cine-PE em 2019, um dos últimos festivais presenciais, no último ano do que era a nossa vida, “O Buscador” quer transformar as diferentes leituras de uma sociedade polarizada em narrativa incomum. Escrito e dirigido por Bernardo Barreto, com uma produção de apenas dois dias, a aplicação de certas ferramentas tornam o exercício interpretativo do espectador mais um aspecto a ser ressaltado. O que há de alegórico na crítica proposta pelo cineasta e o que há de ingenuidade em um olhar purista – e extremo – sobre as tensões pela qual as camadas privilegiadas do país em crise passam?

Refletir sobre o filme, antes de se encontrar com outras opiniões, foi um dos grandes desafios dos últimos tempos por aqui. A experiência de assistir, na solidão imposta por uma pandemia que torna impossível aos sensatos e precavidos a fruição coletiva, se ergue como um obstáculo a mais. A vida política do Brasil dos últimos dez anos não ajuda, torna tudo ainda mais turvo, repetitivo, cansativo. Das transformações econômicas como consequência de grandes eventos mundiais aliadas à inserção social dos mais pobres no mercado de consumo ao protofascismo institucionalizado, parece que um tornado nos levou a um redemoinho o qual não conseguimos escapar – e seguimos nos desfragmentando enquanto nação.

Por isso, “O Buscador” pode soar a você como algo bem diferente do que soou a outros. Não apenas atravessando o manto do espectro ideológico – uma leitura fácil de prever quando um lado abomina a cultura, atropela o lúdico e deslegitima discursos não-hegemônicos. Todavia, dentro do que o espectador pode entender como uma bolha sua (ou um B.O. que é seu), a receptividade sobre a obra também não será a mesma. Qualquer julgamento sobre as intenções do cineasta também não seria o suficiente para elucidar seus pensamentos. Então, jamais se cobre pela maneira como o filme irá “bater” em você.

O longa-metragem conta a história de um “casal” (as aspas aqui não diminui a expressão, apenas denotam que a rotulação não é precisa) integrante de uma comunidade de amor livre. Isabela (Mariana Molina) é de família rica e, após alguns anos sem encontrar os parentes, decide passar o Dia dos Pais com eles. Combina então com o companheiro Giovanni (Pierre Santos) que eles vão omitir o que foge do tradicionalismo de sua relação durante a visita. Ela, entretanto, esconde outras histórias do passado para ele. Chegando na residência, eles encontrarão uma célula familiar que reúne todo o mal que assola a burguesia, da misoginia à corrupção. Todos hipocritamente prontos para julgar o caráter dos visitantes.

De tão demarcados, os personagens de “O Buscador” soam estereotipados e é aqui que as possibilidades de interpretação se multiplicam. Enquanto caricatura exagerada, incluindo as representações de seu elenco – que conta com nomes experientes como Erom Cordeiro (que estrelará a série “Os Ausentes“) e Monique Alfradique – a obra parece dialogar com a crítica social “de cima para baixo” dos envelhecidos folhetins televisivos dos anos 80 e 90. Os mesmos, que hoje soam anacrônicos, padeciam do desentendimento de parte da crítica (ou não, se pensarmos que seus criadores não queria usar a simbologia a seu favor e apostavam para o escracho).

Só que Barreto sempre deixa escapar pistas de que toda aquela formatação quer ser densa. É quase um joguete. Talvez seja os dois para alguns e nenhum para outros. Usando como locações e figurantes a comunidade gaúcha Osho Rachana e as músicas de Pramit Almeida (como “Coração de Buscador“) nos lembra que há uma ficcionalidade controlada, de que embates como o daquela família são mais comuns do que possamos imaginar e que a falência da sociedade a partir daquele microcosmo precisa ser escancarada. Portanto, há quem veja o verniz realístico de execução comprometida pelos exageros. Há quem perceba a alegoria que perde capilaridade ao abrir mão de qualquer sutileza.

Em determinado momento, todos se reúnem em volta do piano e um menino toca o hino nacional brasileiro. “É a música favorita de papai“, diz Isabela. Em outro, a revelação de um antigo relacionamento tem ares de plot twist novelesco. A criação do diretor, que optou pelo plano-sequência longo, exige uma movimentação teatralizada, com uma câmera persecutória, urgente, sufocante. Por vezes incompleta e perdida. Isso atrai a caricatura, é preciso caracterizar com muito mais pressa porque as informações se sucedem de forma avassaladora.

O clímax do longa-metragem se estende tal qual uma tragédia – e funciona bem. Nos encurrala em um almoço, com direito à reza protocolar. Tudo dá errado, dentro e fora da casa, mas a refeição é uma hora sagrada. Assim como o desfile de intenções de pessoas que se conectam pelo sangue e por interesses, nem sempre nesta ordem. Uma aula de conveniência não velada, que ganha força quando a câmera se torna uma extensão da visão de Giovannni. Depois de um terço final agudo, de provocação até um pouco diletante, um epílogo que abre as possibilidades para um recomeço. Talvez nossas palavras façam ainda menos sentido do que a sessão do filme – ou se enquadrem perfeitamente na catarse disruptiva que foi gerada.

O Buscador” é um caos hipócrita e constrangedor. Para seus personagens e pode ser que para uma parte de seu público. Alguns porque a carapuça vai parecer feita sob medida, outros porque exigem de uma arte livre subsídios para que se encaixe nos moldes que criamos para valorar tudo e qualquer coisa.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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