Jenni Kivistö e Jussi Rastas | Entrevista

Jenni Kivistö e Jussi Rastas

Logo Mostra SP 2020Leia a entrevista com Jenni Kivistö e Jussi Rastas, diretores de “Colômbia Era Nossa”.
Esse conteúdo faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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A Colômbia Era de Jenni e Jussi

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“Colômbia Era Nossa”

O estranhamento é um sentimento que faz parte da experiência do cinema. Por isso, quando os selecionados para a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foram anunciados, chamou logo a atenção da Apostila de Cinema o documentário “Colômbia Era Nossa“. Se propondo a revisitar o período do acordo de paz não chancelado pela população entre o governo institucionalizado e as FARC, a direção da obra era responsabilidade de dois finlandeses: Jenni Kivistö e Jussi Rastas.

Interessados nas narrativas latino-americanos como somos e moradores desta terra, sempre há o receio de olhar estrangeiro. Um território que se ergue como sociedade contemporâneo pela soma da colonização e do imperialismo de uma irmã do norte que se desenvolveu. Ao assistir ao filme, todo esse receio se dissipou. Os cineastas mostraram não apenas conhecimento sobre a região, como deram uma linda visão sobre as imagens que quiseram construir sobre aquela nação.

Com isso, passamos a conhecer melhor Jenni e Jussi. Seus interesses e suas trabalhos acadêmicos e profissionais sempre estiveram atrelados à América Latina. O destino os colocou com todos os equipamentos necessários para o registro do evento de 2016 na Colômbia. Quase como um chamado. Eles lembram que “o filme e seus personagens não foram resultado de um extenso processo de investigação. Começamos no acampamento da guerrilha, mas o processo foi intuitivo. Seguimos intensamente a escalada da situação social e ao longo do caminho conhecemos todos os personagens do filme e terminamos filmando seus acontecimentos por um longo período de tempo“.

O resultado é uma ótima recepção de público e crítica e uma obra que transita por festivais e mostrar que ultrapassam recortes sobre tema ou origem dos realizadores. A ideia era fazer um documentário que universalizasse o debate. Conseguiram e agora colhem esses frutos.

Dentro da cobertura da Mostra SP, eles aceitaram responder algumas perguntas por escrito e que você lê agora, ampliando o complexo campo de visão que eles apresentam em “Colômbia Era Nossa“.


Apostila de Cinema: Qual é a relação de vocês com a América Latina e quando vocês decidiram fazer da região objeto desta produção?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: Nós dois temos uma relação muito próxima com a América Latina. Jenni viveu na Colômbia por sete anos no total – trabalhando, estudando e fazendo filmes. Seu filme anterior (“Land Within“, 2016) foi feito com os indígenas Wayuu. Jussi morou no Peru, Chile e Colômbia durante quatro anos, e também cursou Estudos Latino-americanos na Universidade de Helsinki. Ambos falamos espanhol e temos viajado para lá e para cá desde 2005.

Por coincidência, estávamos visitando a Colômbia na época do evento histórico do final de 2016. O governo colombiano e as guerrilhas das FARC haviam acabado de assinar o tratado de paz que supostamente acabaria com 52 anos de conflito armado. Você podia facilmente ver a esperança por todo o país. A população estava extremamente animada, incluindo alguns de nossos amigos que insistiram que fizéssemos um documentário sobre a paz.

De repente, tivemos uma oportunidade de filmar dentro do campo dos guerrilheiros. Supostamente filmaríamos lá durante apenas alguns dias, mas nossa primeira visita se tornou o período de um mês, depois entendemos que tínhamos um início muito promissor para um documentário de longa-metragem.


Apostila de Cinema: O que os atraiu a considerar o acordo de paz de 2016 como central? Foi algo que vocês acompanharam o processo na época?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: Nossa visita à Colômbia não era para ser a produção de um filme. Não acompanhamos o processo de paz antes de chegar ao país, mas quando chegamos as pessoas não falavam de mais nada além da paz. Nós tínhamos o conhecimento, o equipamento, o tempo e surpreendentemente grande acesso para começar a fazer este filme.

O processo de paz nos permitiu acesso a diversos grupos de colombianos em diferentes circunstâncias por um ano e meio em que filmamos (2017-2018). Isto também nos permitiu acompanhar se a paz poderia ser alcançada e, caso contrário, quais eram as razões por trás. Finalmente terminamos por contar uma história muito universal que lida diretamente com desigualdade, poder, colonialismo e capitalismo.


Jenni Kivistö
Jenni Kivistö

Apostila de Cinema: Vocês dois moraram na América do Sul por muito tempo. Jenni estudou na Colômbia por sete anos. Como foi essa experiência e o que foi mais marcante naquele período de sua vida?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: A Colômbia se tornou um segundo lar para a Jenni. Os cinco anos antes de iniciar a produção deste filme foram uma experiência muito diferente comparada às filmagens na zona de conflito. Anteriormente, como estudante de cinema, Jenni vivia na cena de arte urbana. Ela também se tornou próxima de algumas culturas indígenas e suas diferentes visões de mundo. Como resultado ela acabou no deserto colombiano fazendo um filme onírico sobre diferentes visões de identidades nacionais (“Land Within”, 2016).


Apostila de Cinema: Jussi atua como diretor de fotografia em áreas de conflito, produzindo conteúdo para a Cruz Vermelha. Como foi a experiência de entrar em um espaço de aparente paz, que nunca foi totalmente consolidada? Foi muito diferente de lugares como a Síria e a Ucrânia?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: Como Síria e Ucrânia são zonas de conflito ativo, as possibilidades são muito limitadas. As missões da Cruz Vermelha são também bem específicas, relativamente curtas e os protocolos de segurança precisam ser bem rígidos. Na Colômbia quase tudo era diferente. Devido ao processo de paz, podíamos nos mover e filmar livremente sem grandes limitações. As condições eram bem diferentes pois éramos apenas nós dois a fazer um filme independente durante um longo período de tempo. Tínhamos todo o tempo do mundo para nos aprofundar nas circunstâncias locais. Eventualmente gastamos quase cinco meses na área mais vulnerável durante o ano e meio em que filmamos na Colômbia. Como o processo de paz não era tão bem-sucedido nessa área, a região se tornou perigosa demais para visitar depois de um ano de filmagem. A semelhança entre Síria, Ucrânia e Colômbia é que as áreas de conflito são o lar de pessoas muito afetuosas para quem você jamais desejaria uma guerra.


Apostila de Cinema: No início do ano o filme teve sua estreia mundial e foi premiado no Festival de Cinema de Gotemburgo como o melhor documentário nórdico. Como “Colômbia Era Nossa” foi recebido e se vocês identificaram leituras diferentes sobre as FARC e os eventos que ocorreram nos últimos anos de acordo com o país?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: O filme tem sido muito bem recebido. O público que temos encontrado e ouvido tem demonstrado comoção, admiração e surpresa diante do conteúdo extenso, profundo e emotivo. Manifestam diversos sentimentos da profunda tristeza ao humor, e muita reflexão sobre diferentes realidades coexistentes. Muitos viram um grande valor no filme, especialmente espectadores latino-americanos e colombianos. Neste momento, estamos ansiosos com a premiére do filme na Colômbia no Festival Internacional de Cine por Los Derechos Humanos.

Além do Dragon Award de Melhor Documentário Nórdico de 2020, o filme recebeu vários outros prêmios e reconhecimentos: New Nordic Voice Award no festival Nordisk Panorama; International Eye Award na Bolívia; Menções Especiais no FIGRA (Festival International du Grand Reportage d’Actualité), na França e em Rasnov, Romênia. Os críticos têm destacado as qualidades cinematográficas e surreais, a mensagem importante e universal, os personagens fortes e o drama. Por exemplo, o ex-diretor da European Documentary Network diz que o filme é bem-sucedido em criar um drama tão bom quanto qualquer ficção.

Claro que este é um tema muito delicado e alguns colombianos podem achar o filme difícil de assistir por causa das FARC. De qualquer forma, não recebemos comentários de espectadores (nem de colombianos) que tenham feito uma leitura muito diferentes dos eventos apresentados no filme. Muito pelo contrário. Muitos colombianos que nos escreveram falaram sobre como este filme mostra a realidade com precisão. Alguns tendem a dizer que o filme é “objetivo”, o que é muito interessante.

Responsabilidade foi um elemento-chave para nós durante todo o processo. Nós vivemos e filmamos durante um longo período na Colômbia, e no filme fomos completamente honestos e fiéis à nossa experiência, daquilo que nossos personagens nos mostraram aos eventos ocorridos. Editamos este filme durante dez meses – em período integral – para que tivéssemos tudo equilibrado. Buscamos fazer um filme que fosse de alto nível em termos artísticos e de conteúdo e ao mesmo tempo válido para o público internacional assim como para o público colombiano e latino-americano.


Jussi Rastas
Jussi Rastas

Apostila de Cinema: No mês passado, vocês ganharam outro prêmio no Sucre Human Rights Film Festival Festival na Bolívia. Quais são as expectativas para as exibições do filme em América Latina, especialmente na Mostra de São Paulo?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: Muitos países latino-americanos sofrem dos mesmos tipos de problemas que a Colômbia. Nós esperamos que o filme permita que todos os espectadores reflitam sobre suas próprias sociedades, e nosso desejo não se limita apenas à América Latina. Esperamos que este filme permita que as pessoas entendam melhor a realidade dos outros e que possa diminuir a polarização.


Apostila de Cinema: Quais são seus projetos futuros? Podemos contar com vocês aqui pelo continente em um futuro próximo?

Jenni Kivistö e Jussi Rastas: Sim, você pode contar conosco. Ambos vemos nosso futuro conectado à América Latina e, com sorte, faremos muito mais filmes na região. Como a situação do Covid piorou, podemos acabar fazendo alguns filmes na Finlândia também. O vírus complicou alguns de nossos projetos em andamento, mas ao mesmo tempo a situação cria um novo cenário para ideias completamente novas.


Para Saber Mais:

Clique aqui e assista uma pequena entrevista com Jenni Kivistö e Jussi Rastas no tapete vermelho do Göteborg Film Festival 2020

Leia a crítica de “Colômbia Era Nossa”, dirigido por Jenni Kivistö e Jussi Rastas:

Colômbia Era Nossa

Assista ao Trailer de “The Land Within”, dirigido por Jenni Kivistö:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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