Jogo do Poder

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Sinopse: “Jogo do Poder” é um relato transparente sobre a agenda oculta da Europa, expondo o que realmente acontece em seus corredores de poder. Revelando as razões para a crise na Grécia ter acontecido, foi travada uma das mais espetaculares e controversas batalhas na história política. Mas a verdadeira história do que aconteceu é quase inteiramente desconhecida, principalmente porque grande parte dos verdadeiros negócios da União Europeia ocorre a portas fechadas.
Direção: Costa-Gavras
Título Original: Adults in the Room (2019)
Gênero: Drama Político
Duração: 2h 4min
País: Grécia | França

Jogo do Poder Filme Crítica Imagem

Passos e Cartas Marcadas

Quase uma década após lançar seu último longa-metragem “O Capital” (2012) – que se baseava nos meandros da rotina financeira especulativa – e quatro décadas depois de sua última incursão ao país-natal, a Grécia, com o clássico “Z” (1969), o cineasta Costa-Gavras lança mais um de seus dramas políticos. “Jogo do Poder“, que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 12 de agosto, mostra a capacidade do cineasta de se reinventar e de, próximo aos noventa anos, se envolver com questões contemporâneas com a mesma sede de representação de outros períodos da carreira.

Por mais que o espectador não esteja ambientado com a situação da combalida economia grega nos últimos anos – que teve nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 um divisor de águas ainda maior do que no Brasil – a obra encontra paralelos universais pela maneira como mergulha na real politik. Baseado no livro do ex-Ministro de Finanças, Yanis Varoufakis, o diretor teve um material bruto valioso nas mãos. Conduzido ao cargo em 2015, pelo Primeiro Ministro Aléxis Tsípras – que permaneceu na cadeira por apenas oito meses, Yanis filmou todas as reuniões envolvendo o Eurogrupo (que reúne autoridades com cargos similares aos seus).

Uma época em que a União Europeia não queria mais aceitar o rolamento da dívida que a nação mantinha com os bancos do continente. Contudo, um governo de esquerda acabara de ser eleito com a promessa de revisão da austeridade fiscal, que estava sufocando e impedindo o crescimento do país. Diante de um débito impagável, a única solução que administrações anteriores propunham era a constituição de novos empréstimos. Varoufakis entendia que a Grécia vivia ali um “ciclo de destruição“, que geraria apenas mais arrocho e uma queda sustentável do PIB.

O que Costa-Gavras faz em “Jogo do Poder” é aplicar o foco total nas liturgias e no teatro em que a política e as relações diplomáticas se constituem. Sequências limitadas a grandes salões, jantares ou reuniões de equipe, em uma estética que soa quase documental. Conteudista, sim, mas ao mesmo tempo emocionante pela maneira como Yanis insiste em lutar – mesmo em uma partida de cartas marcadas. A trilha sonora de Alexander Desplat, como sempre ocorre nos projetos em que ele participa, antecipam o tom das cenas, dão fluidez à narrativa como poucos conseguem no cinema atual.

Em uma espécie de guerra fria com a Alemanha, que não está disposta a ceder a qualquer proposta do novo governo grego, a zona do Euro fica em peso contra o país. Usou o establishment político como ferramenta de chantagem. No roteiro do próprio Gavras, adaptando o livro, uma interessante saída é a de contrapor o protagonista a Aléxis. No Primeiro Ministro encontramos um homem capaz de realizar os cálculos políticos que seu Ministro se nega a fazer. Leciona e aconselha ao falar da diferença entre ideologia partidária e atos governamentais.

Nos diálogos mais universalistas do longa-metragem, fala da volatilidade do apoio popular. Em uma sociedade em crise, contar com essa álibi é algo muito frágil. Tsíparas sabia que seria questão de tempo que os mesmos que chancelaram seu cargo se voltassem contra ele. Seja por eventuais medidas impopulares ou por decisões populistas que levariam mais adiante a consequências desastrosas. Na condução de um cineasta que tem domínio do objeto, as mais de duas horas do filme não nos cansa, já que parece que estamos sempre pegando atalhos e atingindo novos espaços naqueles corredores do poder.

Enquanto a Europa vendia para a opinião pública a imagem de salvadora, a Grécia tinha suas pretensões sufocadas. Até a velha desculpa de evitar uma guinada comunista surge como argumento. O filme nos leva a um questionamento interessante – e que talvez ganhe capilaridade na nossa sociedade dependendo dos resultados das eleições de 2022: até que ponto um governo de esquerda se permitirá despersonalizar-se para manter as instituições equilibradas e funcionando harmonicamente? Bem menos frágil que a Grécia, o Brasil brinca com fogo parecido. Tsíparas decidiu devolver ao povo o poder de escolha, realizando uma fala importante sobre sua autodeterminação.

Ah, claro, se já não bastasse a comprovação de que o diretor veterano se encontra ainda no auge de sua criatividade, a sequência final de “Jogo do Poder“, assumindo a teatralização e trazendo o circo político de forma alegórica, é a quebra de expectativa que precisávamos. Enquanto muitos discutem a mesmice que boa parte do cinema europeu nos entrega, Costa-Gavras nos ensina a dançar o jogo político como poucos mestre conseguiriam.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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