Judas e o Messias Negro

Judas e o Messias Negro Filme Crítica Pôster

Sinopse: “Judas e o Messias Negro” conta a história de Fred Hampton, um dos líderes do Partido dos Panteras Negras, que foi assassinado em 1969 sob as ordens do FBI, que coagiu um pequeno criminoso chamado William O’Neal para ajudá-los a silenciar Hampton.
Direção: Shaka King
Título Original: Judas and the Black Messiah (2021)
Gênero: Drama | História | Biografia
Duração: 2h 6min
País: EUA

Judas e o Messias Negro Filme Crítica Imagem

Demandas Mais Revolucionárias

Optando por levar a produção aos circuitos comerciais (na semana em que batemos os recordes de mortes diárias e média móvel pelo novo coronavírus), “Judas e o Messias Negro” deverá fazer um barulho dentro da bolha cinéfila, antes de ousar voos maiores. Esses virão daqui a duas semanas, quando as indicações ao Oscar brotarão na trajetória do filme dirigido por Shaka King. Dificilmente alguém tira uma das cinco vagas na categoria de melhor ator de Daniel Kaluuya. Seria a segunda vez em quatro anos, já que em 2018 ele foi finalista por outro magnífico trabalho, em “Corra” (2017).

O longa-metragem ganha projeção por ser um dos lançamentos de última hora, carregando uma expectativa que pode, simplesmente, não ser quebrada por muitos. Porém, alguns se desapontarão com a forma como a história de Fred Hampton (Daniel Kaluuya), morto aos 21 anos, é contada. Ao analisarmos friamente o conjunto da narrativa, observa-se um esforço recompensador de criações de intenções por parte de King. A primeira e a última impressão se destacam – ao lado da atuação do protagonista e do antagonista, de apenas 17 anos, Bill O’Neal (LaKeith Stanfield, que também merecia uma indicação). No miolo, uma construção generalista, que tenta basear seu rimo em um estado de tensão pouco dinâmico ao espectador.

Há um encantamento nos minutos iniciais de “Judas e o Messias Negro”. Bonitas sequências, planos e movimentos de câmera escolhidos para valorizar a rica direção de arte que nos coloca de novo na Chicago de 1968. Seu responsável é Jeremy Woolsey, o mesmo de “Estrelas Além do Tempo” (2016) e “Destacamento Blood” (2020). A produção consegue o que “Os 7 de Chicago“, por exemplo, não o faz. Esteticamente vistosa, aos moldes do cinema norte-americano feito para ganhar prêmios. Óbvio que o fato de termos três filmes que dialogam com a luta pelos direitos civis da década de 1960 (além desses a estreia de Regina King na direção em “Uma Noite em Miami…“) é consequência de uma nova onda de debates na sociedade dos Estados Unidos, que ganhou força com o movimento Black Lives Matter e a ascensão ao poder de Donald Trump.

Contudo, estamos diante da mais engessada das três obras – e talvez da mais difícil para o espectador-médio (mesmo com a teatralização das outras duas). Se Regina teve a liberdade poética de adaptar uma exercício ficcional de encontro de ícones daquela geração, Shaka parece perseguir incessantemente uma fiel reconstituição. Além disso, ousa menos por não querer ser panfletário, um problema de linguagem comum aos ianques quando remexem em qualquer ruptura de seu sistema capitalista estanque. Trazer à luz a biografia de um líder da esquerda revolucionária, que atuou em sua breve vida no território impenetrável do bem-estar social, é uma difícil proposta. Ao lado do diretor, Will Berson assina seu primeiro roteiro de longa-metragem. A formação política do protagonista não se estabelece, ela apenas existe – mas não se cria na narrativa argumentos para alavancar a imagem do grande Fred Hampton como mártir de sua causa. Por sinal, intenção expressada pelo diretor, que em notas de produção diz que sua ideia era fazer algo próximo de “Os Infiltrados” (2006), thriller dirigido por Martin Scorsese. Ou seja, desfocando as leituras políticas como premissa.

Taxar a obra de covarde soaria exagero, mas é flagrante que as ferramentas aplicadas por Shaka almejam um envolvimento com a vida particular. O espectador precisa ir além na interpretação, projetar algo mais para desenvolver uma emoção. Por outro lado, isso torna o trabalho de Kaluuya e Stanfield ainda mais difícil – já que a condução é muito parecida com a que Robert De Niro deu a “O Bom Pastor” (2006). É um thriller autobiográfico, porque ser um drama demandaria tocar em questões que poucos no audiovisual norte-americano querem. Ultrapassado o medo de se indispor, os resultados são inesquecíveis, vide “Infiltrado na Klan” (2018), o grande filme daquele ano – marcado pelo papelão da derrota para “Green Book – O Guia” e que fez a Academia se transformar (minimamente).

Veja o Trailer:

Não há porque entender a revolução como um caminho válido de luta – assim como, para alguns, é a desobediência civil. A arte tem o poder de suprir lacunas, de nos forçar a reflexões. Na grande cena de discurso de “Judas e Messias Negro” (são poucas e rasas), Fred fala da relação entre guerra e política. Faces da mesma moeda, caminhos que parecem uma bifurcação, mas que se encontram lá no final. Aos poucos, porém, a obra vai mudando seu foco para maneira como Will virou uma peça de desarticulação para assassinar um representante importante dos Panteras Negras. A forma como o ator Jesse Plemons apresenta Roy Mitchell auxilia nessa sensação de manobra dos grandes interesses por trás daquela cooptação – uma forma de se fazer justiça com a memória de Will também e questionar o Estado assassino em sua totalidade.

Quando louvamos o trabalho de Daniel e Lakeith é porque eles conseguem demonstrar tanto a força quanto a fragilidade dos dois personagens. Mesmo perdidos em cenas que começam a se suceder e revelar um drama que não embala, o desenvolvimento de suas consciências nos deixa conectados com o filme. Aliás, as representações aqui são coerentes, agem em função da trama – ao contrário da maneira como “Era um Vez um Sonho” faz (leia nossa crítica do filme dirigido por Ron Howard para angariar novas indicações para Glenn Close e Amy Adams e entenda melhor).

A maturidade precoce, do Judas e do Messias, os dois dando seus recados para os “revolucionários de poltrona” (como o verdadeiro Bill menciona no epílogo), valoriza o ofício dos atores. A montagem final de Kristan Sprague e a espetacular canção “Fight for You” da jovem cantora californiana H.E.R. (mais uma que deverá ir ao Oscar) têm um poder de síntese e de superdimensionar a ideia de que acabamos de assistir a uma narrativa irretocável. A música, então, parece nos transportar para 1968 por alguns minutos.

Ou seja, muitos elementos isolados são capazes de tornar “Judas e o Messias Negro” uma obra interessante e uma experiência potente. Porém, o que está por trás, o que não foi dito por Fred Hampton, é ainda mais forte.

Ouça “Fight for You”, de H.E.R.:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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