Kevin

Kevin Joana Oliveira Filme Documentário Mostra Tiradentes Crítica Pôster

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Sinopse: É a primeira vez que Joana, uma brasileira, visita sua amiga Kevin em seu país, a Uganda. Elas se conheceram há 20 anos quando estudaram juntas na Alemanha e faz muito tempo que não se veem. Agora estão próximas de completar 40 anos e a vida se mostra mais complexa que na juventude. Esse é um filme sobre uma amizade entre mulheres.
Direção: Joana Oliveira
Título Original: Kevin (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 21min
País: Brasil

Kevin Joana Oliveira Filme Documentário Mostra Tiradentes Crítica

Sobre Mulheres nos Trilhos(Que elas constroem)

Em “Kevin“, exibido na Mostra Aurora da 24ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, a cineasta Joana Oliveira faz um documentário sensível sobre seu reencontro com a amiga Kevin Adweko. Vindo de realidades bem diferentes, a amizade surgiu em uma viagem de estudos para Alemanha e perdurou durante o tempo, ainda que afastadas por continentes. Joana, brasileira, e Kevin, de Uganda, buscam semelhanças e diferenças dentro de uma relação de afetividade e troca.

A viagem de Joana à Uganda é apenas o começo da longa jornada. Interessante ser esse mais um dos filmes distribuídos pela Embaúba Filmes, solidificando a proposta da distribuidora, no sentido de trazer filmes diversos e que provoquem o espectador a pensar para além das imagens.

Esse, certamente, é o caso de “Kevin“. Após vinte anos de distância, a cineasta resolve fazer a viagem que a aproxima novamente da amiga. “Só venha!”. Uma frase que precisamos escutar quando necessitamos de uma mudança, mas não temos coragem de dar aquele passo adiante. As impossibilidades que prendem Joana são daquelas corriqueiras (não no sentido de banal, mas inevitável) e dolorosas. Trocando confidências por telefone, elas se reaproximam cada vez mais.

Sendo uma das diretoras, Joana passa isso para o filme. As imagens que vemos são reveladoras e corajosas. Ainda assim, não nos sentimos invadindo sua vida, mas como convidados. Ela nos convida a enfrentar ao seu lado um momento difícil. Talvez, tenha sido a maneira que a realizadora encontrou para dividir suas dores. Longe de ser uma doação egoística de sua parte, para se sentir mais leve, é uma doação de cura, para nós também que já passamos por esses momentos de solidão e despedidas. Por mais que estejamos cercados de amigos, só nosso corpo sabe a sensação de perder um amor. Um avô, um pai, uma mãe, um filho. Joana nos mostra um pouco como é.

Mas até aqui, estamos somente no prólogo do filme. Sua partida para Uganda é a verdadeira aventura a ser acompanhada. Joana conhece Uganda como uma adolescente, sentindo a alegria que, possivelmente, não sentia há algum tempo. Rememorando memórias, revigora seu sorriso. As fotos antigas, de 1999, revelam jovens descobrindo o mundo. Agora, mais velha, Joana o redescobre. Participar desse processo com a diretora faz com que tenhamos também a sensação de que é possível para todos nós. O reencantamento existe. Não é mito. Porém, estamos tão ocupados com nossas atividades, atribulações e demandas que nos esquecemos a beleza de olhar uma foto antiga, de ver novas estranhas, sentir novos cheiros.

O convívio com a família de Kevin parece ser confuso e, ao mesmo tempo, libertador. Muitas coisas mudaram e as muitas novidades parecem fazer Joana perceber que o mundo gira. Parece meio óbvio, mas não é tão evidente quando estamos no meio de uma situação de luto.

É muito mais estável quando fazemos juntas”, é a frase que Kevin diz quando tentam se equilibrar nos trilhos de um trem e, por mais que eu saiba que é clichê, usarei esse insight para falar sobre amizade feminina e raça.

Kevin é negra e Joana branca. Sabemos como as relações raciais são conflituosas tanto no continente africano quanto no Brasil. Poderíamos aqui partir de uma ideia de feminismo que faz com que todas as mulheres juntas se fortaleçam, como sugere a frase de Kevin, porém, precisamos esmiuçar mais essa relação.

A frase de Kevin não é tão simples. Assim como não é a convivência entre mulheres. Somos mais juntas fortes, evidente. Porém, precisamos respeitar os corpos, as dificuldades e os desejos de cada uma. Somos mulheres e nossa pluralidade é a chave. O feminismo como foi gestado há algumas décadas já não dá conta de inserir uma série de mulheres que estão de fora desse eixo colonial. Sim, precisamos lembrar que o movimento surgiu a partir de mulheres privilegiadas. São muitas as que falam com mais propriedade que eu sobre o assunto: Angela Davis, Cidinha da Silva, Joice Berth. Para quem não as leu, é só escolher que estarão ampliando o discurso sobre feminismo. Há ainda a questão racial, que aparece no movimento do mulherismo preconizando a raça como fator fundamental para as desigualdades e a orientação sexual (e aqui indico Yuderkys Espinosa Miñoso).

Dessa forma, podemos ver que “Kevin” é uma obra sobre o encontro de duas amigas após anos, mas traz consigo inúmeras reflexões que precisam ser debatidas. Essas questões, volta e meia, são levantadas pela própria Kevin (que é uma mulher fascinante). As belezas julgadas, as crianças das quais precisam (ou precisariam) cuidar sozinhas, a responsabilidade de ser mãe. Para ambas, essas são questões. Algumas vezes, Kevin fala em suaíli com seus filhos, mas isso não atrapalha em nada a conexão com o filme.

Sobre as perdas de Joana, prefiro que sejam experenciadas durante o sensível longa-metragem, em seus momentos mais íntimos com sua amiga. Sobre Kevin, bem, ela nos dá uma aula sobre racismo estrutural e a sutiliza de alguns atos violentos. Quantas de nós, mulheres pretas já não passamos por essas questões?

Assim, “Kevin” se torna um filme tão rico e multifacetado, que me arriscaria a dizer,pode encontrar reverberações em quase todas mulheres. Um exemplo primoroso de como fazer um documentário sobre questões extremamente pessoais e encontrar o mundo em sua trilha. Se tudo ficará bem? Não sei. Porém, será mais fácil se estivermos juntas.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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