Sinopse: Duas meninas cresceram como melhores amigas em uma comunidade Inuíte e prometeram ficar juntas de qualquer jeito. Mas a amizade deles é abalada quando Mikuan (Sharon Ishpatao Fontaine) se apaixona por um garoto branco.
Direção: Myriam Verreault
Título Original: Kuessipan (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 57min
País: Canadá
Sobre Escolhas e Caminhos
Pura nostalgia. Assim poderíamos resumir o início da ficção “Kuessipan“. Em busca de um tempo diluído durante os entraves da vida que passa, o filme canadense dirigido por Myriam Verreault volta à infância procurando resgatar a graça – aqui como sinônimo de beleza e de leveza – sublime das pequenas sensações.
A partir de duas jovens innu a obra percorre, então, as memórias de momentos onde tudo era ou parecia ser mais simples em uma perspectiva bem particular, já que estamos falando da vida de pessoas inseridas em uma comunidade com características próprias, mas que consegue transbordar essas particularidades. O espectador não precisa sequer ter familiaridade com a comunidade inuíte para se sentir dentro da história. No entanto, é aí que a cineasta mostra seu encanto. Vagarosamente, somos aproximados de Mikuan (Sharon Ishpatao Fontaine) e Shaniss (Yamie Grégoire) e a relação de amizade entre as duas promove uma conexão para além das fronteiras.
O filme, selecionado para o tradicional Festival de Toronto (TIFF) e ao de Quebec (onde venceu o Grande Prêmio do Júri). Além disso, recebeu três nomeações ao Canadian Screen Awards, concedido pela Academia de Cinema e Televisão do país. Um longa-metragem que merecia, assim como sua narrativa, transcender barreiras nacionais. A impressão que temos nas sequências protagonizadas pelas crianças é que os próprios espaços pequenos são mundos nos quais diversas atividades se dão paralelamente. É um pouco assim quando tentamos nos recordar das distâncias e proximidades que perpassavam por nossas cabeças quando pequenos. Tudo o que estava próximo parecia coloca, como que dentro de nós mesmos, e o distante bem longe, quase inalcançável. Essas noções, porém, mudam conforme nosso corpo cresce. O conflito principal entre as duas amigas advém daí: duas maneiras diferentes de compreender uma mesma questão.
“Kuessipan” guarda nas interpretações, nas sequências e no som super definido de cada estalar de madeira a simplicidade e a beleza que busca reviver em seu início. Com cenas de penumbra e cores lindíssimas que nos lembram o tempo todo onde a narrativa se passa, Verreault nos transporta para o lugar idílico da pequenez, onde faz frio, mas sempre temos uma touca, um cachecol e um bom casaco para nos cobrir.
Nesse contexto, faz sentido que a transição para a vida adulta seja feita de maneira brusca. Ela nos tira do conforto quentinho e nos coloca em um espaço de adrenalina pura. Ainda assim, a amizade entre Mikuan e Shaniss parece inabalável. Até chegar o homem branco. Ainda não definimos o povo Innu e, àqueles que não conhecem, recomendamos fortemente que explorem o link deixado nas linhas acima. Os descendentes indígenas passaram, assim como todos os outros povos originários, por fortes desestruturações durante a colonização. “O território para mim é muito importante”, diz um dos colegas de Mikuan na escola durante uma discussão sobre a monetização ou não das terras – ou melhor, a exploração. Trata-se dessa relação direta entre dominação e exploração. O conflito entre as duas amigas passa pelo conflito histórico vivenciado e repetido desde a chegada dos europeus à América.
A própria Mikuan, que tem em sua família uma estrutura bastante fundamentada em tradições, se vê dentro de um conflito sentimental. Aliás, ao contrário de Shaniss, que já vive uma realidade bem parecida com um jovem de fora da comunidade innu. Aquela procura um equilíbrio que talvez não seja mais possível. E, aqui talvez seja mesmo. Não pretendo definir os rumos da economia global. São essas escolhas, cada vez mais difíceis, que precisamos fazer e definem nossa caminhada aqui. Se mais voltadas à tradição ou ao êxito econômico… Bom, iremos arcar com as consequências de cada uma delas.
A relação entre Mikuan e Francis (Étienne Galloy), o rapaz não innu que se aproxima da jovem, se desenrola lentamente, já que a própria não parecia propensa a se envolver romanticamente no momento. Sempre demostrando desânimo com as possibilidades que a vida na reserva lhe ofertava, é somente a partir da chegada do jovem que a segurança para pensar em outros acessos lhe toma. Francis apresenta uma outra Quebec à Mikuan e, ela a ele. Assim, as duas realidades se cruzam em um momento decisivo no qual também as duas amigas parecem confrontar as próprias escolhas naquilo que veem uma da outra.
“Kuessipan” é um belo filme sobre amizade, sobre aquilo que queremos que ela seja e sobre enamoramento. Esqueçam um pouco Francis, estamos falando do autoconhecimento e florescimento de Mikuan. A chegada dele é um empurrão. Ela é que caminha livre.
Veja o Trailer: