Thais Fernandes | Entrevista

Thais Fernandes Entrevista

Quando a Apostila de Cinema assistiu “Portuñol” na mostra gaúcha do último Festival de Gramado, sabia que estava diante de uma obra que permitia diversos tipos dos melhores diálogos que o audiovisual pode ter com a sociedade. Reflexo da experiência profissional de sua realizadora, Thais Fernandes.

Por conta da estreia em plataformas digitais de locação, convidamos a diretora para uma conversa, onde ela divide conosco parte do processo de construção do documentário. Mais do que tentar traçar uma historiografia do idioma falado informalmente nas fronteiras do Brasil com nossos vizinhos hermanos, o longa-metragem também nos aproxima de outros intercâmbios culturais, que passam, inclusive, pelos povos originários.

Thais Fernandes é jornalista de formação, realizando sua graduação pela PUC do Rio Grande do Sul e tendo em sua base profissional forte consciência dos atributos éticos e da importância de dar voz e visibilidade às mais variadas versões. No audiovisual, entretanto, é conhecida tanto por trabalhos de montagem (dentre eles junto à Casa de Cinema de Porto Alegre), quanto na direção de projetos da área.

Seu primeiro documentário interativo como diretora, “Um Corpo Feminino” (2016), deu origem ao curta-metragem de 2018 que circulou por diversos festivais internacionais. Outro de seus créditos é a direção e roteiro da série documental “Afinal, Quem é Deus?” (2019). “Portuñol” é seu primeiro longa-metragem. Ele agora está disponível nas plataformas NOW, Oi Play e Vivo Play.

A distribuição é da Lança Filmes, com produção da Vulcana Cinema e coprodução da Epifania Filmes, Globo Filmes e GloboNews.

A palavra, então, está com Thais Fernandes.


Portuñol

Apostila de Cinema: Quando surgiu a ideia do projeto de “Portuñol” e como você aplicou sua experiência anterior, tanto na linguagem televisiva quanto cinematográfica, na produção do filme?

Thais Fernandes: O argumento de PORTUÑOL é da Jéssica Luz, que é também produtora executiva do filme. Foi ela quem me chamou para dirigir o projeto, justamente porque achou que meu interesse por latinidades e uma afinidade com um cinema mais “guerrilha” tinha tudo a ver com a proposta narrativa que o assunto pedia. Importante dizer que quando eu digo “guerrilha” é no sentido de ser um tipo de filme com estrutura reduzida – nossa equipe de captação era de quatro pessoas.

A minha formação é no jornalismo, grande culpado eu acho pela minha conexão com o documentário. É do jornalismo também que vem a maioria das minhas ferramentas de trabalho, e PORTUÑOL é um filme que transita entre muitas dessas minhas referências de formação. Tem um pouco de jornalismo nessa pegada do imediatismo da imagem, já que me interessa muito mais o que está acontecendo na frente da câmera e a interação com personagens do que um cuidado estético. Não que eu ache que um bom enquadramento não seja importante, longe disso! Forma é mensagem também. Mas pra mim, se fosse necessário criar uma hierarquia de importâncias, prefiro sempre sacrificar uma boa luz e um bom enquadramento em favor de uma ação ou conversa honesta e potente. Essas coisas não esperam a câmera estar pronta pra acontecer. Um filme de encontros como é o PORTUÑOL pedia muito isso, eu acho. A força dele está na verdade dos personagens que encontra pelo caminho, e também dessa câmera atenta na escuta além da imagem.


Apostila de Cinema: Você costuma ressaltar que “Portuñol” é um filme de encontros. Antes de realizá-lo, você havia passado por experiências parecidas com as trocas realizadas no filme?

Thais Fernandes: Fazer cinema é encontro, sempre! Brincadeiras à parte, o que eu mais gosto de cinema documental com personagens é justamente isso: encontrar e conversar. Meu curta UM CORPO FEMININO é um filme de encontros também, com um dispositivo de entrevistas diferentes do PORTUÑOL, mas ainda assim uma narrativa de encontro e troca. Eu sempre brinco que enquanto algumas pessoas vão pro bar pra conhecer gente nova e conversar, eu faço filmes.


Apostila de Cinema: Se sim, notou alguma diferença na relação entre os povos nos últimos tempos? Você acha que nosso intercâmbio com o restante da América Latina melhorou ou piorou? Se estreitou ou se distanciou de alguns anos para cá?

Thais Fernandes: Difícil fazer uma análise global a partir de uma experiência tão particular. O que eu acho é que nós (humanos em geral) temos dificuldade de escutar. Todo mundo sempre quer falar, mas é difícil construir a postura atenta da escuta. Em PORTUÑOL cada personagem tinha algo muito importante para dizer sobre as nossas relações de fronteira – e meu papel era o de ouvir. É um exercício de desconstrução constante pra mim, porque a tendência é de querer falar. Acho que a gente já vem de fábrica com esse “chip” do ego maior que os outros, e pra mim é um exercício ativo aprender a escutar. Também não acho que essa é uma habilidade com linha de chegada – o exercício da escuta é constante, diário e pode sempre sofrer retrocessos. Espero que PORTUÑOL possa servir de ferramenta auxiliar nessa nossa aproximação tão necessária – não só nas fronteiras ou latinidades, mas nas nossas relações cotidianas com tudo que é diferente da nossa perspectiva.


Portuñol

Apostila de Cinema: Você trabalha há muitos anos como montadora em diversos veículos e produtoras muito importantes da região sul, como a RBS e a Casa de Cinema de Porto Alegre. Porém, “Portuñol” foi montado por outra pessoa, o também experiente e talentoso Jonatas Rubert. Como foi esse processo de transição para a direção de um longa-metragem e o que pesou não ser você a montadora do documentário?

Thais Fernandes: Nossa, o Jonatas foi essencial nesse trabalho! Foi muito importante poder contar com o olhar apaixonado dele pelo tema. Além de um montador incrível, ele é uma pessoa muito generosa na troca de perspectivas. Considero isso essencial na relação diretor/montador, ainda mais nesse caso que foi meu primeiro longa-metragem. Inicialmente eu até pensei em assumir as duas funções (direção e montagem) – mas resolvi seguir o conselho que eu mesma dou para os meus alunos que é o de compartilhar. Um olhar novo sempre acrescenta, enxerga coisas novas no material que o nosso olho já viciado não consegue ver. De todas formas acho também importante ressaltar uma coisa que sempre defendo: a montagem é uma grande escola para quem quer ser diretor. Os meus filmes eu penso sempre sobre essa perspectiva da edição, o que facilita bastante meu trabalho quando chego na ilha.


Apostila de Cinema: Você apresentou o filme pela primeira vez no Festival de Gramado do ano passado, que concede apenas um troféu para longas gaúchos. E “Portuñol” foi o escolhido como melhor filme do recorte regional. Como foi a recepção no período, que gerou um alcance maior por ter ficado disponível online? E fale um pouco da emoção deste reconhecimento por parte do festival.

Thais Fernandes: Quem é que não gosta de ganhar prêmio, né? Ajuda muito na carreira comercial do filme e claro que deixa a gente muito feliz de ser reconhecido pelos nossos colegas. Apesar da pandemia que impossibilitou os encontros presenciais que eu gosto muito, a edição online do Festival de Cinema de Gramado 2020 possibilitou que o filme fosse muito mais longe. Isso pra mim é sem dúvida a melhor parte da experiência. Os próprios participantes do filme que talvez não pudessem comparecer ao festival em função da distância puderam ver o filme em casa. Ampliar o acesso do público através de exibições online é o ponto alto desses eventos virtuais. Espero que a mostra regional do Festival de Gramado ganhe corpo e espaço, e nas próximas edições possa também reconhecer com prêmios outras funções técnicas.


Apostila de Cinema: “Portuñol” se apresentou com uma grande qualidade, é uma obra de convergência de grandes núcleos de produção e distribuição audiovisual do Rio Grande do Sul e isso, naturalmente, nos provoca curiosidade sobre os seus próximos passos na carreira. Portanto, fale um pouco dos seus projetos em andamento.

Thais Fernandes: O próximo projeto que já está no forno é um longa que mistura documentário e animação na narrativa. “Memórias de um esclerosado” ganhou o prêmio de financiamento do Rumos Itaú Cultural 2019-2020 e conta a história do cartunista gaúcho Rafael Corrêa.


Apostila de Cinema: Por fim, gostaríamos que deixasse uma mensagem final que nossas perguntas não atingiram para todos aqueles que chegaram à nossa entrevista e já assistiram (ou vão assistir) “Portuñol” – disponível agora via streaming.

Thais Fernandes: Vejam cinema nacional, gente! Nosso cinema é muito maravilhoso e diverso, e mesmo com todo o ataque que vem sofrendo segue resistindo e se renovando. Nossa luta só faz sentido se tiver público!


Clique aqui e assista “Portuñol” no Vivo Play.

Clique aqui e leia nossa crítica de “Portuñol”.

A Apostila de Cinema é uma iniciativa de promover o debate sobre o cinema e questões pertinentes ao mesmo levantando análises culturais, sociais e estéticas que consideramos centrais para o pensamento crítico da Sétima Arte Contemporânea.

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