Lamento

Lamento Filme Crítica Pôster

Sinopse: Sem perspectiva de uma vida melhor e no seu limite emocional, Elder enfrenta o período mais difícil de sua vida e as sérias consequências de suas decisões.
Direção: Diego Lopes e Claudio Bitencourt
Título Original: Lamento (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 50min
País: Brasil

Lamento Filme Crítica Imagem

Passado Inalienável

Estreando no dia 26 de agosto no circuito comercial, “Lamento” é uma narrativa forte dirigida por Diego Lopes e Claudio Bitencourt, o primeiro longa-metragem da dupla. Uma viagem por outra mente perturbada, tal qual o personagem de Kevin Bacon em “Você Deveria Ter Partido” (2020) em uma sessão dupla acidental de filmes de hoje que criou um diálogo entre obras interessante. Ao contrário da produção da Blumhouse, aqui todas as representações se dão através do drama, em mais uma performance especial do ator Marco Ricca.

Ele vive Elder, um homem que não consegue mais resistir à especulação imobiliária sobre o hotel tradicional de sua família. O próprio nome do estabelecimento, Orleans, nos remete a um passado vendido como glorioso e que bate em um presente sem perspectiva. O roteiro de Lopes usa a crise de identidade que os grandes centros urbanos passam para condensá-las em questões estruturais daquele personagem de meia-idade. Ricca nos leva pelos tortuosos caminhos traumáticos de uma pessoa que, além dos problemas financeiros, precisa lidar diariamente para não recair em seus vícios.

Lamento” ainda adiciona um elemento perturbador, de um casal que se hospeda no Orleans em uma relação aparentemente conturbada e a atração por Letícia, prostituta interpretada por Thalia Ayala. Ao mesmo tempo em que precisa zelar pelos clientes e pela propriedade, Elder não pode se dar ao luxo de perder receita. Porém, essa necessidade de equilibrar a situação gera gatilhos que o farão perder a estabilidade emocional e criar uma nova crise em seu relacionamento. Isso vai tornando o hotel um espaço ainda mais tóxico – já que vira uma mistura de fato gerador de seus problemas com um bem com o qual ele possui apego.

O que poderia se tornar algo como “O Hotel de um Milhão de Dólares”  (2000) de Wim Wenders, está mais próximo “Despedida em Las Vegas” (1995) ou “Vício Maldito” (1962) – e, veja, sem as demarcações hiperbólicas de Nicolas Cage no primeiro, mas próxima da sutileza e humanidade de Jack Lemmon, guiado pelo mestre Blake Edwards, do segundo. O local como personagem dá mais um sentido de legado, de medo de destruir o que os ancestrais do protagonista lhe proveram – o que nos remete a um porto seguro. Mas, acaba se tornando, em parte, um antagonista.

Há momentos em que sentimos que estamos diante de um dos grandes trabalhos da carreira de Marco Ricca, que não precisa mover uma palha de exagero para provocar sentimentos no espectador. O protagonista entra em uma vertiginosa queda, incontrolável, que os cineastas vinculam a uma tormenta. Aplicam na linguagem do filme um desenho sonoro de ventania, daquelas que antecedem uma tempestade avassaladora.

Por mais que resgate temas da modernidade e baseia todas as manifestações da obra nelas, o magnetismo do ator em cena torna a revisitação a assuntos como depressão, ansiedade, crise existencial e vícios em drogas recreativas algo longe do clichê. Vai desenhando um mundo de delírio – ainda longe do terror contemporâneo, seguindo no drama – que nos faz questionar até que ponto vamos deixando de ser vítimas e nos tornando agressores, sem perceber.

Com isso, “Lamento” não precisa apelar para construções fantasiosas para gerar empatia. Ao humanizar a narrativa desde o princípio, torna o mergulho na mente parte de um processo. Vamos com Elder em um autoconhecimento dolorido. Por vezes, quem motiva nossas crises (como a famigerada especulação imobiliária, que torna mais urgente nossas soluções) precisa voltar novamente a ser alvo. Ou isso ou o surto. Se enxergamos tudo e todos como inimigos, só reproduziremos o mal. É de se lamentar que Elder não tenha encontrado apoio e tempo para não tomar essa lição apenas na teoria.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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