Laura

Laura 1944 Crítica Otto Preminger Pôster

Sinopse: Um detetive de polícia se apaixona pela mulher cujo assassinato ele está investigando.
Direção: Otto Preminger
Título Original: Laura (1944)
Gênero: Drama | Noir | Mistério
Duração: 1h 28min
País: EUA

Laura 1944 Crítica Otto Preminger Imagem

Suprir Ausências

Chegando ao serviço Petra Belas Artes á La Carte em cópia restaurada, de alta qualidade, “Laura” é um dos grandes trabalhos da carreira do diretor Otto Preminger. O austríaco insistiu com o produtor Daryl F. Zanuck para adquirir os direitos da obra escrita por Vera Caspary, que já havia vendido outros sucessos do cinema anteriormente. Com um orçamento enxuto e poucos rostos conhecidos à época, levou muita gente aos cinemas norte-americanos, que assistia às produções do gênero noir ganharem força na primeira metade da década de 1940.

Otto só se tornou o diretor do longa-metragem que estava produzindo pela insistência do ocupante anterior do cargo, Rouben Mamoulian, em fazer um filme confuso para os olhos de Preminger e de Zanuck, que interviu para demiti-lo quando assistiu as prévias em seu escritório. Um conflito que passou por transformações unilaterais de Mamoulian, incluindo no roteiro, o que fez com que a confiança em seu trabalho fosse perdida.

Na década anterior, Vera Caspary flertou com a chamada proletarian literature (que na América tem como uma das obras-primas “Vinhas da Ira”, de John Steinbeck) por influência do roteirista e amigo Samuel Ornitz. Chegou a se filiar ao partido e, na década de 1930, viajou para Alemanha e entrou na Rússia para ver de perto como o regime funcionava. Porém, quando estava pronta para aplicar as influências de uma leitura mais social em suas obras, se desiludiu com o pacto germano-soviético entre Stalin e Hitler em 1939 e abandonou a causa. Retomou, então, a rotina de atender a uma demanda de Hollywood por boas histórias e se adaptou bem a essa nova representação de tramas policiais.

O destaque dos primeiros minutos de “Laura” é como a ausência da protagonista é trabalhada. O Detetive McPherson, interpretado por Dana Andrews (iniciando ali uma trajetória de êxito em produções noir) entra em cena para investigar a morte da personagem vivida por Gene Tierney. Ao começar a montar o quebra-cabeça do crime, partindo dos relatos do amante Waldo Lydecker (Clifton Webb), do noivo Shelby (Vincent Price) e da tia Ann (Judith Anderson), o agente de lei descobre que persegue o fato errado, já que Laura ressurge para mudar todo o rumo da investigação.

É difícil não considerar o longa-metragem um dos grandes expoentes do gênero. Se “Relíquia Macabra” (1941) é lembrado pelas bases fundantes da linguagem, aqui somos envolvidos na narrativa como raramente conseguimos. Preminger aplica o olhar da Hollywood dos grandes estúdios, que começava a investir em um filão que se marcou pela objetividade da história contada. Não abdica, então, de entregar as melhores composições cênicas possíveis e o uso da luz aqui é um espetáculo à parte. Todos os momentos em que somos levados novamente ao importante relógio de chão no canto da sala de Waldo se apresenta de uma nova forma. Assistir sabendo onde tudo aqui vai levar aumenta essa leitura sobre a exploração do objeto e do espaço onde as ações se desenvolvem.

Veja o Trailer:

Laura Hunt é apresentada como uma mulher que vive uma trajetória de sofisticação por parte de Lydecker. Aos poucos, a forma obsessiva como McPherson se comporta começa a ser transferida para outros personagens, todos eles agindo com suas motivações. A Hollywood clássica conseguia com maestria trazer essas perspectivas múltiplas sem tirar o foco do acontecimento. O material original é de Caspary, mas o roteiro do trio Jay Dratler, Samuel Hoffenstein e Elizabeth Reinhardt consegue encher os diálogos de verbalizações sobre as intenções daquelas pessoas sem perder o ritmo do filme. Ao precisar reduzir a uma frase de efeito, também o faz, como quando a protagonista reflete sobre sua “culpa por não desencantá-lo“, se referindo ao personagem de Webb.

Após uma longa carreira na Broadway, Clifton Webb iniciaria, já na meia-idade, uma fase de grandes papéis no cinema. “Laura” foi apenas a primeira de suas três indicações ao Oscar e sua posição enquanto narrador é fundamental para o envolvimento do público. Por sinal, a ideia era trazer três perspectivas, incluindo de McPherson e da própria Laura (no romance de Caspary são cinco os pontos de vista). Porém, a decisão de trazer uma unidade enquanto narrativa parece acertada, principalmente se pensarmos que estamos diante da formação canônica de um gênero – e de uma obra popular, voltada para o público que ia às salas na década de 1940.

O roteiro, a direção e direção de arte em preto e branco também foram lembrados pela Academia – e a fotografia em preto e branco saiu vencedora na noite de 1945. São essas boa parte dos grandes elementos do filme, que devem se somar à atuação de Gene Tierney. Coisas de uma Hollywood do passado, mas o papel que tornou a atriz inesquecível aos nossos olhos só existiu por uma imposição contratual junto à Fox. Assistido em sessão dupla com “Culpado sob Suspeita“, de 1991, não poderíamos deixar de comparar como as representações mudaram no intervalo entre esses filmes – e na forma como acontece hoje.

Por fim, não dá para se despedir da análise do clássico sem mencionar o tema inesquecível composto por David Raskin – e regravado em canção pelas principais vozes da música dos Estados Unidos. O ganho de emoção que ela traz é mais uma aula de manipulação que o cinema clássico nos dá. Tente assistir “Laura” e não encontrar algum elemento que não te deixe, também, obcecado e lide com as ausências que Hollywood nos fornece atualmente.

Ouça “Laura” na versão de Frank Sinatra:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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