Loucura de Amor

Loucura de Amor Filme Netflix Crítica Pôster

Sinopse: Em “Loucura de Amor”, depois de se internar no centro psiquiátrico onde vive a mulher por quem ele se apaixonou, Adri descobre que sair de lá não vai ser tão fácil assim.
Direção: Dani de la Orden
Título Original: Loco por Ella (2021)
Gênero: Comédia | Romance
Duração: 1h 42min
País: Espanha

Loucura de Amor Filme Netflix Crítica Imagem

Fora do Comum

Enquanto a ausência de regulamentação dos serviços de streaming deixam o Brasil – mais uma vez – no final da fila em comparação com boa parte do mundo – a Netflix usa a (agora) tradicional sexta-feira de estreias para trazer produções originais de outros países. Da Espanha, a comédia romântica “Loucura de Amor” chega ao catálogo, curiosamente, na mesma semana em que as salas de cinema (ilogicamente em funcionamento) nacionais recebem “Depois a Louca Sou Eu” (2019), após um ano de adiamentos.

A forma como o filme dirigido por Dani de la Orden (que, em análise superficial, parece ter a comédia romântica como mote de seus projetos) e o de Julia Rezende abordam alguns transtornos mentais é tão antagônica que deveria virar exemplo didático. Ainda mais quando os alvos de uma piada são fundamentais para a análise de uma comédia. Enquanto o longa-metragem estrelado por Débora Falabella traz uma humor que quase tripudia da ansiedade e da depressão, aqui encontramos o tom para recontar a velha história de amor sem gerar danos colaterais. Não me estenderei na comparação – há crítica minha publicada em que fala da transposição do cronismo e do uso de si enquanto piada nas representações audiovisuais (tenha acesso a um trecho clicando aqui).

A missão é até mais difícil no roteiro de Natalia Durán e Eric Navarro. São poucos minutos para caracterizar Adri (Álvaro Cervantes) como um homem que nosso tempo já não comporta mais. Na outra ponta da obra entenderemos que ele é a reprodução do ambiente tóxico do seu trabalho enquanto jornalista – mesmo que a forma como uma colega de empresa o abandona em uma ligação telefônica deixe latente que ele não é visto com bons olhos. Trazer esse porém logo de início tiraria forças, somos levados por sua imagem e seus pensamentos. O principal deles é o de desacreditar nos transtornos de ansiedade e apresentar atitudes carregadas de misoginia. Ou seja, um ogro envelhecido em um rostinho de bebê.

Veja o Trailer:

Então, “Loucura de Amor” traz a situação ideal para Adri. Ao esbarrar com Carla (Susana Abaitua) ele é levado a uma noite de sexo casual, carregada de aventura e emoção. O cineasta faz esse ato inaugural com muita intensidade, nos diverte e nos envolve porque sabemos o que acontecerá. O galã se apaixonará pela mocinha e aquela noite não será o suficiente. O amor impossível pós-moderno é bem mais complexo do que a rotina de uma Cinderela. O protagonista é confrontado com a sua descrença na psiquiatria. O plot semelhante ao de “Escrito nas Estrelas” (2001), filme estrelado por John Cusack e Kate Beckinsale está lá: o objeto que a donzela deixa para trás e os fará se reencontrarem.

Houve um tempo que ali seria o ponto de chegada – viver o amor sem o que nos cerca. O que o personagem de Cervantes fará, entretanto, é se internar espontaneamente (e munido de um atestado falso) na clínica para conseguir, vejam que coisa antiga, o número de telefone de Carla – em tratamento de seu transtorno bipolar. A maneira como a narrativa traz os personagens, depressivos, com TOC e até Síndrome de Tourette não dá espaço para estereótipos. Há um humanismo em suas caracterizações, sem decair para o reducionismo da velha lógica de que todos nós estamos a um passo de apresentar tais comportamentos.

Já o preconceituoso protagonista se revela no cotidiano. O uso de vocábulos como “malucos” e “loucos” tem um peso – e não uma mera chacota como a adaptação do livro de Tati Bernardi. Claro que a história precisa se encher de lacunas para ser desenvolvida – precisamos de uma sequência de mal entendidos e absurdos para fazer Adri continuar internado, por exemplo. Negar essa viagem é procurar uma verossimilhança desnecessária, mas é reflexo de uma obra que não exagera em representações fantasiosas para se manter. Entender o longa-metragem como ponta de um processo é fundamental. Há um recorte social muito claro na trama – e usá-la como exemplo também soaria exagerado, são poucos na sociedade que teriam acesso a um tratamento como aquele.

Não é apenas na produção audiovisual que o Brasil fica para trás. Após décadas de avanço na política manicomial e no tratamento humanizado de pacientes, as notícias que chegam, claro, são as piores. Um psiquiatra defensor de eletrochoque virou o coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde (leia a notícia, da semana passada, clicando aqui). Um ótimo momento para o assunto tomar as manchetes – mesmo que provocado em uma história adocicada quanto esta. Quando o filme parecia que deixaria um recado um pouco menos raso que o tradicional, ele se aprofunda na parte final. Fala da diferença entre o apoio que leigos (mesmo que carregados de sentimento) podem dar, em oposição à ajuda profissional.

Uma confiança que pode levar a situações de absoluta negligência, não se esqueçam. Amar é entender nossos limites. Com uma bonita montagem que traz o clássico do rock “Common People” na voz da banda La Bien Querida e deixando parte das risadas para o fim, na sequência do chefe totalmente desprovido de noção de Adri, “Loucura de Amor” encontra um epílogo ainda mais humanista. Uma forma de transformar despretensão em mensagem.

Ouça “Common People” na versão de La Bien Querida:

 

Clique aqui e leia crítica de outros filmes da Netflix.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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