Sinopse: Em 2013, após décadas de trabalho em múltiplas linguagens, Gaitán estreava sua épica primeira ficção, Exilados do Vulcão. Ainda mais audacioso, seu mais recente filme navega por memórias caudalosas das Américas. Inspirado em uma expedição europeia do séc. XIX e mobilizado pela busca de Igor (interpretado por Begê Muniz) por sua ancestralidade Kuikuro no momento presente, o river movie revisita e reinventa, entre Nova Iorque e o Pantanal, imagens, parcerias e procedimentos que atravessam a obra da artista. Nesta impressionante viagem, a passagem do tempo se dilui no fascínio persistente das mais instigantes paisagens sonoras e visuais.
Direção: Paula Gaitán
Título Original: Luz nos Trópicos (2020)
Gênero: Épico Experimental
Duração: 4h 20min
País: Brasil
Iluminações Perfeitas
“Luz nos Trópicos“, além de destoar em metragem de boa parte dos “longas” (que passam a ter aspas perto do épico de quatro horas e meia de Paula Gaitán) da mostra competitiva do 9º Olhar de Cinema, é uma obra excepcional para o trabalho do poder da imagem, da carga estilística aplicada e dos diálogos e mensagens que o audiovisual dos circuitos de festivais pretende. Talvez seja um filme de rompimento, de cisão, não entre público e crítica e sim entre correntes de pensamento sobre cinema dentro de cada indivíduo – do entusiasta ao catedrático.
A cineasta traça a linha-mestra de seu longa-metragem em confluência de territórios e origens de nossa existência. Une a concepção de criação do Deus cristão com aquela que os povos originários da região do Xingu reconhecem a partir de Mavutsinin. Desta forma, ela nos leva de Nova Iorque ao Pantanal, com protagonismos que buscam – ou são – cargas ancestrais. Gaitán é uma artista visual de muito talento e experiência, que nunca tratou o cinema como uma aventura. Em seu portfólio ele possui desde videoinstalações até epopeias gigantescas como seu “Luz nos Trópicos”.
Em entrevista para a equipe de curadoria do festival, ela fez questão de firmar sua obra como um projeto em movimento, em expansão. Rascunha um preâmbulo ao debate que reunia outros agentes fundamentais da produção para “justificar” que o tempo de seu filme é aquele que ela entendeu como necessário para suas representações. De fato, o que é inegável em “Luz nos Trópicos” é seu deslumbre visual, sua aura de tributo às Américas – em todas as concepções e complexidade – e uma qualidade técnica que comunga a produção de imagens digitais, em película ou no formato digital. Se há um espaço prolífico para beirarmos a perfeição imagética é o Pantanal, um território único no planeta – que deixou de existir em grande parte em 2020 por conta de criminosos incêndios.
Além disso, mesmo com uma premissa clássica aplicada em uma linguagem pautada na introspecção, o filme dialoga com outras produções brasileiras que trazer um protagonismo no todo (aqui é em parte) aos indígenas. Quem já teve a oportunidade de assistir “A Febre“, vencedor do Festival de Brasília de 2019, tem uma posição consolidada acerca do quanto de desapego à narrativa lhe satisfaz. Maya Da-Rin aplica uma montagem de permanência no plano, de espaçamento de cenas, com objetivos que não valem a pena reiterarmos, posto que faz parte da crítica específica sobre o filme. Já um dos premiados na Mostra Tiradentes 2020, “Yãmĩhex: As Mulheres-Espírito” cria relação por sua abordagem imersiva, apesar de totalmente antropológica e que conta com uma fundamental carga representativa por parte da equipe de produção.
Já “Luz nos Trópicos” segue por um lado de semi-ficcionalidade, deixando a sensação de pertencimento na “fluidez estanque” de sua montagem. Há momentos muito emocionantes, em parte por transferir para a câmera a captação do olhar – refletindo a riqueza de fauna e flora brasileira. Em outros, é louvável sua forma crítica com a qual trata os colonizadores ou espelha a relação entre duas nações que têm muita coisa em comum (mas não são a partir delas que promovem seus intercâmbios). A diretora segue um caminho não exotizante ou fetichista. Traz quebras de espaço-tempo e conexões pelo vermelho do urucum. Ou seja, encontra suas trilhas. Apesar de tudo muito pensado e planejado, trata-se de uma obra que sofreu influência direta de fatores climáticos e biológicos. Paula conseguiu criar entre equipe e locações uma simbiose refletida em seu filme.
Nas metaforizações de Paula Gaitán, a autonomia do corpo feminino tem seus momentos, assim como a denúncia a apagamentos históricos. Ela admite que se tornou mais sonora do que sensorial no fazer cinema, mesmo que tenha expertise no trabalho com a imagem. Ela talvez articule em suas idealizações que o purismo da estética visual possa não ser o suficiente para dizer tudo o que se quer. Se é o suficiente? Cada um com suas projeções que o diga. Preferimos sempre o caminho de analisar o que está dito. Portanto, não há muito ou pouco na qualificação do tempo na duração de um filme. Ele dura. Não há fórmulas, nem proibições. O longa-metragem segue a rota de um épico renascentista, porém de aplicabilidade moderna – gestada para transitar em espaços como o Olhar de Cinema ou na Berlinale, onde estreou em fevereiro.
Dizemos que há uma cisão porque nesse passeio onírico pela ancestralidade, se valendo de uma longa observação em que devemos detidamente submergir nas representações, “Luz nos Trópicos” é uma aula de permanência da imagem e se a busca é por grandes lapidações sobre determinados temas, pode tornar sua trajetória frustrante. Todavia, perfeita para quem tem forte apego pela eficiência das formas.
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