Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental

Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental Filme Crítica Poster

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Sinopse: Em “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”, Emi trabalha como professora de história numa respeitada escola conservadora de Bucareste. No entanto, quando seu vídeo fazendo sexo com o marido vaza para todos os alunos, ela corre o risco de ser demitida. A instituição, então, organiza uma grande reunião com os pais dos estudantes, ocasião em que será decidido o destino de Emi.
Direção: Radu Jude
Título Original: Babardeală Cu Bucluc Sau Porno Balamuc (2021)
Gênero: Comédia | Drama
Duração: 1h 49min
País: Romênia | Luxemburgo | República Tcheca | Croácia

Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental Filme Crítica Imagem

Caiu na Net

O título surge propositalmente para dificultar o trabalho daqueles que precisam de engajamento e ficaram reféns de termos de uso, algoritmos e monitoramento por inteligência artificial. O trailer oficial, que possui mais de 250 mil visualizações no YouTube desde que o canal do Festival de Berlim o programou – algo fora da curva na comparação com o público-alvo de obras selecionadas – é a prova de que Radu Jude quebrou, um pouco, esse sistema. Começamos uma nova cobertura com a exibição para a imprensa logo após a entrevista coletiva de abertura da45ª Mostra SP, o vencedor do Urso de Ouro e mais um exemplar do ótimo cinema romeno, “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” (era amador, assim como o nome original, mas tudo leva a crer que há uma lógica algorítmica por trás dessa mudança).

Naturalizar o sexo não guarda qualquer relação com promiscuidade e a maneira como o longa-metragem cria essas teias é precisa e, ao mesmo tempo, alegórica. O cineasta opta por realizar três inflexões. Na primeira, ele retoma a proposta do título do filme. Para o choque de muitos, um vídeo de sexo explícito ganha a tela. Emi (Katia Pascariu) é a protagonista de um amador caseiro vazado, provavelmente por um técnico de informática disposta a achar o conteúdo íntimo de seus clientes sem qualquer preocupação com a ética – o que o faz a cometer um crime. O primeiro ato nos mostrará parte dos esforços iniciais da professora de História em uma escola de adolescentes tradicional de Budapeste. Porém, a remoção dos rastros do vídeo (pelo menos na disseminação pública) e a eventual punição dos responsáveis não serão o suficiente para que as consequências cheguem em sua vida profissional.

Essa abordagem inaugural esconde o verdadeiro objetivo dos minutos que inauguram “Má Sorte no Amor ou Pornô Acidental“. Jude nos levará a uma viagem crítica pelo território da cidade, já no contexto da pandemia de covid-19. Por sinal, já foram duas as produções executadas entre 2020 e 2021 que, antecipadamente, tivemos acesso dentre os selecionados da 45ª Mostra SP (a outra é “Higiene Pessoal“, com crítica em breve) e não é nada parecido com os exercícios sobre confinamento ou algo do tipo. Necessários, sim, mas que nos trazem uma carga de ansiedade ainda maior.

Usando a comédia como pano de fundo, ele transita pela capital da Romênia captando o ritmo mais cadenciado de um centro urbano abalado pelo isolamento social. Claro que nem todas usam máscaras, mas o distanciamento é a tônica – e assim deve ser por algum tempo. O deslocamento vagaroso da câmera é quase como um street view aliado à imagem em movimento. Nos planos mais profundos da cena, a maneira como a comunicação e a publicidade usam o sexo como linha atrativa ou forma de abordagem. Podemos reputar ao abalo emocional essa interpretação de Emi, é verdade, mas no fundo sabemos que tudo que é relacionado a consumo se vende pelo prazer. E prazer mesmo é sexo.

O coronavírus não uniu a Humanidade (nem mesmo às famílias brasileiras, de relações ainda estremecidas pela ala de apoiadores do atual governo), mas as dinâmicas sociais parecem mais próximas de uma unidade, uma liturgia reinventada. As notícias também, como denota-se de um diálogo na farmácia sobre escândalos de corrupção no setor da saúde quando a protagonista compra remédios de ansiedade. Sim, estou falando de “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental”, não mudei de assunto. Quando avalia que o espectador entendeu seu ponto, Jude inflexiona, cria uma nova obra dentro do panorama completo o qual chamamos de filme.

Usando imagens de arquivo, provocações em uma dicotomia entre Stálin e Hitler, dentre outros expedientes, o longa-metragem ganha uma carga experimental, dialogando com o vanguardismo do final dos anos 1960 – e que ainda gera bons filmes Godard com sua colagens referenciais. A arquitetura urbana segue como personagem relevante (na fotografia de Marius Panduru), o posicionamento automatizado de street view nos revelará a socialização forçada (e sem máscaras) daqueles que não vivem sem café e estão na rua, mas atrai questões históricas sobre a Romênia. Do genocídio campesino às múltiplas ações das Forças Armadas, passando por piadas de loira. Chega ao ponto de voltar às primeiras imagens em movimento a qual temos conhecimento.

Tudo na montagem ligeira de uma proposta ensaística de Cătălin Cristuțiu relaciona poder à virilidade – e virilidade ao masculino, como se uma viagem pela mente de uma professora de História já antecipasse o julgamento da sociedade: enquanto mulher, ela será culpada, mesmo que flagrantemente uma vítima. Culpada pelo sexo, condenada pelo tabu. De programas de TV vespertinos (bem parecido com os brasileiros) à menção à vitória de Parrásio sobre Zêuxis na Grécia Antiga, o romeno vai descortinando seu final, criando uma ilusão para nos permitir projetar nosso pensamento na obra. Como a arte o faz há séculos.

Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” deve gerar um misto de recepções. Quem não embarca nos devaneios fílmicos deve se desinteressar no processo. Quem carrega consigo a carga de conhecimento que telegrafa todas as propostas do diretor pode achá-lo alegórico demais. Mas, dificilmente alguém não se divertirá com o último ato, uma verdadeira esquete de humor que coloca Emi no banco dos réus do conselho de pais da escola na qual trabalha. O subtítulo dessa parte antecipa os parâmetros ortodoxos que serão aplicados e é impressionante como o outro não se preocupa em cometer novas agressões à vítima em reanálises sobre sua moral.

Os outros personagens cumprem diferentes funções no debate. Os mais progressistas formulam a ideia de que o espaço de ensino merece ser desconstruído, revisitando a Sociologia da Educação marxista que o conservadorismo evita porque sabe que dar autonomia é o primeiro passo para uma transformação realmente profunda na sociedade. Aqui o cineasta aplica um olhar que emula, de certa maneira, o conteúdo televisivo humorístico. Cortes rápidos, closes em um rompante no rosto de Emi e outras ferramentas de uma comédia de costume.

Talvez o grande acerto é não transformar essa parte em toda a história. Algo que “Fourth Grade“, produção norte-americana do brasileiro Marcelo Galvão opta e, apesar de suas qualidades, não encontra tanto ritmo por ficar preso às amarras de teatralização (adjetivo usado enquanto aspecto engessado da obra). Aqui não, o público é convidado a participar de todas as etapas do drama da protagonista – desde o prazer do pecado original até as leituras absurdas (para quem?) sobre o fato. Incluindo, dentre elas, o direito de ser fascista.

Com três finais propostos, “Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental” deixa você escolher qual caminho deseja seguir. O mais parecido com real em uma tela, na ficção que lembraria a pintura de natureza-morta das uvas de Zêuxis à fantasia do real que surge diante dos nossos olhos, como a abertura da cortina de Parrásio. O público escolhe o que lhe servirá de consolo nesta noite.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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