Sinopse: Baseado na história real dos “Lobisomens de Friburgo”, dois irmãos que nos anos 90 foram acusados de brutais assassinatos na Serra dos Órgãos, no Rio de Janeiro. O thriller de suspense segue o sargento Téo em sua busca pelos suspeitos escondidos na mata atlântica.
Direção: Marcos Prado
Título Original: Macabro (2019)
Gênero: Terror
Duração: 1h 40min
País: Brasil
Poder-Dever-Te(r) Fé
“Macabro” (disponível desde o final de 2020 na plataforma Looke, entre outros serviços de streaming) nos propõe uma provocativa interseção de linguagens do cinema brasileiro das últimas décadas. O filme de Marcos Prado nos coloca em uma operação policial mal sucedida, em que um sargento, Téo (Renato Góes) mata um morador de uma comunidade no Rio de Janeiro de 1995, acreditando estar abatendo um bandido armado. Um prólogo instigante para uma produção que se vende como um suspense aterrorizante sempre que possível. Une uma abordagem popular do início dos anos 2000, que muitos sentenciaram como “favela movie” para se colocar em um movimento recente da cinematografia nacional. No trailer e no pôster há destaque para o fato do longa-metragem ter em comum alguns produtores de “Tropa de Elite” (2007).
O que há, entretanto, é uma comunhão de histórias. Baseado no caso dos Irmãos Necrófilos, essa sequência inicial replica uma das várias histórias de execução fria de um morador de comunidade do Rio de Janeiro – sem qualquer relação com os outros acontecimentos. Essa movimentação é a primeira tentativa de se oferecer um diálogo social na obra. O sargento é deslocado para a investigação que se revela o verdadeiro argumento da trama. Porém, essa mistura de coincidência por ser ele nascido em Nova Friburgo (onde os crimes em série vêm ocorrendo) e uma proteção corporativista para seu “equívoco assassino” flutua no restante do tempo. Ao revisitar a injustiça por ele cometida, mas de certa maneira aplicar a outro caso, Téo parece encontrar uma redenção atravessada.
Fica a sensação de que há várias adições de um verniz crítico a uma narrativa consolidada antes que essas questões ganhassem corpo. “Macabro” une dois roteiristas. Rita Glória Curvo estreia em longas-metragens, enquanto Lucas Paraizo emplacou filmes que não passaram despercebidos para quem acompanha a produção nacional, como “Divinas Divas” (2017), “Domingo” (2018) e o seriado de TV “Sob Pressão” (2017-2020). Em comum, esse aditivo de debate sobre a sociedade nas entrelinhas. Por sinal, essa construção não é obrigatória nos filmes. Há uma boa oportunidade aqui de retratar fatos que movimentaram a mídia do Rio de Janeiro há quase trinta anos sem que isso se transforme em um debruçar antropológico sobre o quer que seja.
Muitas coisas funcionam bem no desenvolvimento, principalmente aquelas diretamente relacionadas ao contexto histórico. Nas poucas vezes em que a montagem nos coloca em reportagens (reais e ficcionais) sobre o caso dos Irmãos Necrófilos, percebe-se que estamos diante de uma sociedade que já gostaria de ver a morte do criminoso como alternativa de punição. Vale frisar que a história se passa apenas sete anos depois do início da vigência de uma Constituição Federal amplamente discutida (a de 1988 e que, ainda, segue em vigor) – e que veda penas desta natureza. Acertadamente, identificamos uma dissonância entre o que o Estado quer e o que a opinião pública, de acordo com os seus espaços ocupados e as suas referências, tencionam.
Há um outro ponto de destaque em “Macabro”, que é o tom fornecido à figura religiosa. Estamos diante do nascedouro de um movimento neopentecostal, de muita força no Rio de Janeiro. Com isso, a desautorização das figuras vinculadas ao Catolicismo (padres e bispos) era fundamental para essa migração de fiéis. Ao passo em que, assim que as cenas dos crimes são reveladas e os rituais profundamente sádicos dos assassinos são explorados, um personagem logo diz: “isso é tudo macumba, sargento“. Mais adiante veríamos que essa engrenagem é bem mais complexa, mas as suspeitas de Téo fazem todo o sentido diante de uma autoridade acostumada a oprimir – mesmo que usando mandamentos divinos para impor seus dogmas. Por sinal, a fotografia do filme ousa um pouco nesse sentido. Aplica um filtro amarelo que nos parece, até em sequências externas, que estamos diante de um dia se sol com a forte luz da rua invadindo uma igreja ou um templo por meio de seus tradicionais vitrais.
No que poderia ser um interessante jogo de intenções e provocações sobre um momento de transição do Brasil (social-econômica e religiosamente), descamba para uma releitura tradicional de narrativas de gênero – das fontes mais enlatadas possíveis. Com pouco mais de meia hora, “Macabro” mastiga ao espectador o que ele gostaria que fosse fixado. Uma reportagem do programa dominical “Fantástico” que, de tão contextualizante, chega a engessar as possibilidades de leituras do público. Há um ano estreava no cinema “Açúcar” (2017), longa-metragem dirigido por Sérgio Oliveira e Renata Pinheiro e que tratava a ancestralidade dentro do realismo fantástico de forma libertadora. Propostas parecidas, mas sem o tolhimento de visões de uma narrativa.
Por outro lado, “Macabro” é tão frio na sua intenção de se universalizar, que transforma Téo em um action hero comum, um investigador quase tão perdido quando nós que os acompanha. Esse expediente do cinema comercial de traçar um thriller a partir da manutenção de quem assiste no escuro, aposta todas as suas fichas no terço final. Quase sempre encontra saída na ausência de explicações (não estamos questionando a ausência de lógica, o que não faz sentido no mundo das artes). Marcos Prado, então, reduz o filme a um suspense que quer te prender na cadeira para – de forma bem enviesada – propor um recorte racial dentro de uma suposta lógica higienista.
Faz isso como um clique, um tiro seco. Por certo, o protagonista que replica comportamentos do tira durão do Supercine não chega nessa conclusão e tampouco sabe o que fazer com ela. Um perigoso terreno de fazer a releitura de uma história real para dar novas possibilidades de leitura sobre os fatos – mas não assume com afinco esse ideal. “Macabro” quer brincar de questionar a Justiça enquanto sistema e enquanto senso comum, aborda o que seria um justiçamento como forma de proteção, mas quando se dá conta disso percebe-se que se perdeu tempo demais com a preocupação de entregar um produto embalado em um plástico reluzente – quando deveria apostar no macabrismo da nossa realidade.
Veja o Trailer: