Mangueira em 2 Tempos

Mangueira em 2 Tempos Documentário Filme Crítica Pôster

Confira a estreia de “Mangueira em 2 Tempos” com crítica e entrevista exclusiva com Ana Maria Magalhães!

Assista a entrevista com a diretora Ana Maria Magalhães:


Sinopse: Depois de quase trinta anos, “Mangueira em 2 Tempos” revisita amigos de infância retratados no vídeo “Mangueira do amanhã”, sobre a escola de samba mirim. Suas histórias revelam as circunstâncias brutais da vida dos moradores das favelas do Rio de Janeiro, mas também de seus surpreendentes destinos. Mestre Wesley se inspira na musicalidade local para realizar a carreira de percussionista. A narrativa de sua trajetória explora a conexão entre samba e funk, ritmos marcados pelas batidas em dois tempos e propõe o diálogo entre o jazz e a percussão da Mangueira.
Direção: Ana Maria Magalhães
Título Original: Mangueira em 2 Tempos (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Brasil

Mangueira em 2 Tempos Documentário Filme Crítica Imagem

A História que a História haverá de Contar

As agremiações que desfilam no Carnaval possuem o nome de Escola não é à toa. Mais do que permitir aos seus integrantes o contato com a música, as diversas formas de expressões artísticas, a cultura popular do país e a integração comunitária em laços ainda mais fortes – espaços como a Mangueira permitem a muitos sonhar. Para além da viagem onírica, que transforma o povo em protagonista nos dias de folia. Há uma formação cidadã e concessão de perspectiva em territórios geralmente em desalento, abandonados pelo Estado e o poder do capital que suga sua força de trabalho ao longo de todo o ano.

Mangueira em 2 Tempos“, documentário de Ana Maria Magalhães que chega às salas de cinema na próxima quinta-feira, revisita um dos pilares desta engrenagem. Reforça a ideia de que todas essas propostas podem ser aplicadas às crianças, em um mistura de tradição, ensinamento de uma nova geração de sambistas e projeto social que os tira de outros caminhos possíveis na comunidade.

O filme parte da ideia de seu protagonista, Wesley Assumpção. Ele era um dos meninos que compunham a Mangueira do Amanhã, escola de samba mirim formada no final da década de 1980 e objeto de um curta-metragem da cineasta em 1993. É com suas imagens que começamos a viagem – com homens e mulheres revendo a si naquela época. Alguns menos conectados à Mangueira enquanto agremiação e outros que transformaram a música em um ofício. Nas entrevistas, duas figuras notórias. Alcione, Presidente de Honra há trinta anos, sempre foi a base de talento e credibilidade de um discurso que mostrava aos pequenos que o que eles viviam ali era algo além da festa. E Ivo Meirelles, que foi Presidente da Mangueira entre 2010 e 2013 e fundou o grupo Funk’n’Lata – em uma mistura de ritmos que revolucionou o diálogo entre eles.

A diretora faz uma relação interessante em “Mangueira em 2 Tempos“. O que poderia ser um simples reencontro daquelas pessoas – e suas histórias díspares – se torna uma linha que cuida das transformações do período. Em uma delas, a presença cada vez maior do cristianismo neopentecostal, que deu à festa da carne uma ideia deturpada de pecado mortal. Uma resistência que, de tanto que cresceu nas últimas décadas, tomou em certos territórios a hegemonia para si. O povo, entretanto, consegue ser mais sábio do que alguns discursos de falsos profetas e cria para si seus sincretismos. Em relação à profissionalização, o Carnaval se mostra tão desafiador quanto muitas áreas da Cultura. Mesmo com avanços em legislação e políticas de Estado, suas expressões ainda dependem de um amor doado, de uma paixão de seus membros – que acumulam fazeres para manter vivo o samba.

As Escolas, então, unem a convivência harmônica a um senso de disciplina – além de promover ensinamentos relacionado a vários ofícios. Mesmo assim, nem todos conseguem fazer desta centelha de expectativa um caminho alternativo para o trágico. Como bem diz Meirelles, ainda perdemos para a criminalidade e sua promessa de ganhos rápidos e fáceis muitos talentos, não apenas relacionados ao Carnaval. Porém, o filme dá conta de apresentar exemplos bem-sucedidos daqueles que souberam esperar, que se resignaram com o fato de que a sociedade torna tudo muito mais difícil àqueles que não possuem vários privilégios que os meninos do asfalto possuem. Não precisa, portanto, se desdobrar em debates sobre isso para trazer uma carga política ao longa-metragem.

Mais do que isso, “Mangueira em 2 Tempos” nos faz reencontrar o samba. Aquele que a pandemia nos impediu de se emocionar em 2021 – e que esperamos ter segurança suficiente para 2022. Aquele que Ana Maria Magalhães se emocionou quando realizou “Mangueira do Amanhã” em 1993, na esteira de sua participação na Comissão do Carnaval de 1992, quando Tom Jobim foi enredo. Aquele que ela se envolveu em 1998, quando Chico Buarque foi o tema encerrando uma seca de onze anos sem títulos e as mulheres começaram o ocupar o espaço no grupo de ritmistas. Aquele que ela acharia que encontraria em Wesley um rapaz com o envolvimento menor na agremiação e encontrou o Mestre Wesley, resgatando a fileira de dez da escola no quesito.

A montagem usa os elementos musicais de duas formas. Na captação hermética de estúdios, com um toque refinado que informa e emociona pelo tamanho do talento envolvendo os instrumentos de percussão. Nas imagens da quadra e do desfile, nos faz reviver o disparo do coração quando a bateria da Mangueira começa a tocar. São alguns os momentos que nos envolvem desta forma – e também registra o encontro do tradicional e do moderno, na influência do funk.

Ana Maria Magalhães, que desafiou o sistema há mais de quarenta anos que dizia que mulheres, principalmente atrizes, não conseguiriam ser cineastas. Desde então, ela segue produzindo e consegue sempre entregar obras que refletem a autonomia de outras mulheres – como o faz nos minutos finais do documentário. O destino ainda reservou o histórico Carnaval de 2019, o mais recente título da Mangueira com um dos desfiles mais bonitos de todos os tempos – daquele que será lembrado por décadas, sob o comando do carnavalesco Leandro Vieira.

Mangueira em 2 Tempos” parte de um reencontro de um grupo de pessoas para mostrar como o samba e o Carnaval mudou em trinta anos – e nos brinda com o registro do que seria parte da preparação de uma noite mágica. No mundo dos sonhos, principalmente no Rio de Janeiro, será sempre este o ritmo que nos embala. Agora é esperar que o próximo fevereiro não seja apenas de cinzas.

Veja o Trailer:


Coirmãs | Relembre nosso especial de Carnaval de 2021

Assista à entrevista com o Professor Edson Farias:

Leia os textos mencionados no vídeo:

. Artigo | A Saga do Orfeu Brasileiro
. Orfeu Negro | Orfeu do Carnaval (1959)
. 007 contra o Foguete da Morte (1979)
. Natal da Portela (1988)
. Orfeu (1999)
. Noel: O Poeta da Vila (2006)
. Trinta (2014)

 

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *