007 Contra o Foguete da Morte

007 Contra o Foguete da Morte Crítica do Filme Pôster

Sinopse: Em “007 Contra o Foguete da Morte” um avião carregando um foguete espacial sofre um acidente, mas quando o Serviço Secreto Britânico vai examinar os destroços não encontra nenhum vestígio da espaçonave. Assim, James Bond (Roger Moore) tem a missão de investigar o caso e começa indo visitar o multimilionário que construiu a aeronave e tem idéias bastantes estranhas de qual deva ser o destino da raça humana.
Direção: Lewis Gilbert
Título Original: Moonraker (1979)
Gênero: Espionagem | Ação | Aventura | Ficção Científica
Duração: 2h 6min
País: Reino Unido | França

007 Contra o Foguete da Morte Crítica do Filme Imagem

Gravidade Zero

Os constantes adiamentos da 25ª produção da franquia de James Bond fez com que a Apostila de Cinema postergasse uma das mais interessantes maratonas revisionistas do cinema comercial. Porém, quis o destino que nosso entrevistado no especial de Carnaval 2021, Edson Farias (clique aqui e assista ao programa com o sociólogo e professor da UnB), indicasse como uma das obras que tratam da folia carioca “007 Contra o Foguete da Morte“, produção de 1979. Com isso, iniciaremos as revisitações (sem previsão de continuação) pelo décimo primeiro filme.

Dirigido por Lewis Gilbert (pela terceira e última vez na franquia) e estrelado por Roger Moore (quarta das sete vezes em que interpretou o agente secreto), o longa-metragem tem uma busca pelo referencial que os grandes estúdios ainda estavam aprendendo a usar. A própria existência da obra já é um encontro saudosista, uma vez que quase trinta anos se passaram desde o lançamento do primeiro livro escrito por Ian Fleming (e quase vinte do lançamento de “007 contra o Satânico Dr. No” nos cinemas). Só que há uma confluência aqui que une tendências temáticas da Hollywood e da cultura de massa ocidental com elementos inerentes ao próprio cânone de 007.

Ou seja, “007 Contra o Foguete da Morte” atualiza a megalomania dos vilões e os feitos absurdamente falsos do espião com as narrativas do audiovisual que se erguia desde meados da década de 1970. O roteiro de Christopher Wood (que também trabalhou no filme anterior, “O Espião que me Amava“) se baseia no material original de um dos romances de Fleming – que, em 1955 já usava a corrida espacial para criar um antagonismo a partir de Hugo Drax (Michael Lonsdale), ex-nazista agora alinhado com os soviéticos na busca por um míssil nuclear de destruição em massa. Personagem inspirado em “Robur, o Conquistador”, livro  lançado em 1886 pelo francês Julio Verne. Diante de um panorama bem diferente, em que Estados Unidos e União Soviética já haviam alcançado a Lua, uma vertente mais higienista é explorada no terceiro ato – momento clássico em que o vilão discursa sobre suas intenções de purificação da espécie.

Veja o trailer de “007 Contra o Foguete de Morte” (1979):

Há um toque Elon Musk em Drax (que quase foi interpretado por Frank Sinatra), principalmente no que diz respeito à ocupação do espaço pela iniciativa privada. Talvez esse seja o ponto que tenha envelhecido melhor no longa-metragem – já que as abordagens estereotipadas, por óbvio, soam bem menos encantadoras. Todavia, esses reducionismos já começam a ser menos exploradas no Bond de Roger Moore em comparação ao de Sean Connery. Como dito anteriormente, há uma busca pelo referencial forte – que aproxima o lançamento à indústria cinematográfica que começa a se transformar dois anos antes, com a estreia de “Star Wars: Uma Nova Esperança” (algo que fez essa história de Fleming ser antecipada, já que nos créditos da obra anterior a mensagem dizia que “Com 007 Só se Viver Duas Vezes” seria o lançamento seguinte).

Por sinal, o clímax do filme, incluindo cenas em gravidade zero, nos ambienta quase em um episódio da série clássica de “Star Trek: Jornadas nas Estrelas” (1966-1969), que chegaria às telonas no mesmo 1979, pelas mãos de Robert Wise. Uma diferença de seis meses (a aventura do espião é lançada em junho e a da Enterprise em dezembro) que traz um curioso confronto do 007 da MGM com Kirk, Spock e sua equipe da Paramount. Do uso dos acordes de “Sete Homens e um Destino” (1960) aos sons de “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977) observa-se uma forma de dialogar sensorialmente com outras narrativas contemporâneas ao filme, um expediente que já se encontra desgastado atualmente.

A direção de Gilbert explora esse deslumbre pelo espaço, uma tendência que segue o acontecimento que foi “2001: Uma Odisséia no Espaço” (1968) e que normatizou uma representação pelo olhar de Stanley Kubrick. Hollywood exploraria ao máximo até esgotar esse filão, que vai desde “Muppets do Espaço” (1999) a “S.O.S. tem um Louco no Espaço” (1987) de Mel Brooks. Aos poucos as possibilidades de uma jornada fora da Terra reencontra um público, principalmente com o braço da Marvel que se inicia em “Guardiões da Galáxia” (2014) e tem tudo para se reafirmar quando uma adaptação digna de Quarteto Fantástico ganhar vida.

Indicado ao Oscar de efeitos visuais de 1980, tanto “007 Contra o Foguete da Morte” quanto “Jornada nas Estrelas: O Filme” perderiam para “Alien: O Oitavo Passageiro” – muito mais próximo dos anseios do público da nova década. Ao custo de 34 milhões (quase a soma das produções estreladas por Sean Connery), o filme arrecadou seis vezes mais. Em números reajustados, a aventura de Roger Moore é o quinto maior sucesso da franquia (o primeiro dentre os vividos pelo ator).

Porém, “007 Contra o Foguete da Morte” não é só isso. Também é a terceira e última interpretação de Shirley Bassey para uma canção de Bond – que não tem a mesma força de “Goldfinger” e “Diamonds are Forever”, mas ainda toca o espectador pela potência da sua voz (e possui uma linda versão com big band no fase brasileira do filme). Também é a clássica sequência fantasiosa dos prólogos, que coloca o agente secreto em uma luta há milhares de pés por um paraquedas – e que custou mais do que todo o orçamento do primeiro longa-metragem da franquia. E é, sobretudo, a chegada do protagonista ao Rio de Janeiro, fato gerador de nossa crítica a partir da provocação de Edson Farias. Após retornar da África e passar por Veneza e Califórnia, a história coloca James – e a bondgirl da vez Holly Goodhead (Lois Chiles), em terras brasileiras quase na metade da projeção.

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Um encaixe que nos proporciona assistir, como pano de fundo, os desfiles das escolas de samba de 1978 – ainda na Avenida Presidente Vargas e suas arquibancadas móveis. Ao longo de nossa programação de Carnaval falamos sobre o processo de profissionalização desses desfiles (esmiuçado na minissérie “Doutor Castor” e materializado em “Trinta“, filme que se passa em 1974). A criação de uma liga independente, a negociação com as televisões, tudo isso conflui para que a classe média receba o potencial econômico e turístico da folia como algo positivo e o chancele. Portanto, a internacionalização do Carnaval ganha força e nesse contexto o longa-metragem estrelado por Roger Moore se apresenta.

Essa obra se junta a “Orfeu Negro” (1959) enquanto possibilidades de olhar estrangeiro. Apesar da pouca duração na tela, observa-se uma porta de entrada para uma nova fetichização do Rio de Janeiro e do samba. Ainda assim, diferente das incursões a partir da importação de Carmen Miranda pela Hollywood dos anos 1940 e da leitura de Camus aliada à bossa nova no final da década de 1950. “007 Contra o Foguete da Morte” inaugura uma das fases mais estereotipadas da ex-capital brasileira, que se ampliaria na década de 1980 com filmes como “Feitiço do Rio” (1984) – que há muito são objetos de estudos e constrangimentos dos próprios responsáveis. Por sinal, o filme de Stanley Donen é inspiração para o título de “Feitiço da Lisa”, episódio da série de animação “Os Simpsons” que causou polêmica quando lançado em março de 2002, mostrando que algo havia mudado na própria recepção exótica de si por parte dos brasileiros.

Munido dessa forma de expressão, a cineasta Lúcia Murat lançaria em 2006 o fundamental documentário “Olhar Estrangeiro“, que se apropria muito bem de uma expressão que precisa acompanhar toda e qualquer revisitação de uma obra cinematográfica. Não apenas no Rio de Janeiro, mas também na Amazônia, onde algumas das sequências mais explosivas do filme ganham espaço – além do ataque de um sucuri, a uma das mais improváveis vilãs da franquia. Por mais que ainda salte aos olhos a inesquecível cena de 007 fazendo tirolesa sem proteção no Pão de Açúcar, há muita coisa por trás de escolhas narrativas de “007 Contra o Foguete da Morte” e do que circunda os conceitos por trás da tirania de Drax e sua obsessão de conquista do espaço.

Ouça Moonraker, por Shirley Bassey:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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