Sinopse: Em “Maria (E os Outros)”, a protagonista vivida por Bárbara Lennie é uma mulher de 35 anos que se sente fora de si mesma e sua vida não coincide com a sua idade, mas em vez de tentar mudar esta situação, decide fugir e inventar desculpas. Os medos conseguem dominá-la e, portanto, não avança na vida e permanece estagnada.
Direção: Nely Reguera
Título Original: Maria (y los Demás) (2016)
Gênero: Comédia | Drama
Duração: 1h 30min
País: Espanha
Rebeldia Domável
Até agora único longa-metragem da cineasta catalã Nely Reguera, “Maria (E os Outros)” permanecia inédito no circuito comercial brasileiro. Mais uma ótima aquisição no catálogo do festival Volta ao Mundo: Espanha, que fica no ar até o dia 16 de junho no serviço de streaming Petra Belas Artes à La Carte com doze produções do país de várias épocas. Assistido em sessão dupla com outro representante da mostra, “Joana, A Louca” (2001), há aqui uma nova leitura sobre a busca feminina por autonomia, com uma protagonista que se vê em uma crise de meia-idade, vinculada às próprias escolhas por se manter fora de uma zona de conflito.
A atriz Bárbara Lennie – indicado ao Goya como atriz, assim como Reguera foi como diretora estreante – constrói bem esta mulher pós-moderna, de 35 anos, que cria um processo de reflexão crítica sobre sua vida pelo desenrolar dos acontecimentos. Quase sempre o cinema usa como fato gerador desses dramas familiares os reencontros a partir de matrimônio. Foi assim, por exemplo, com “O Casamento de Rachel” (2008), que apresentou Anne Hathaway como uma jovem que sai da clínica de reabilitação direto para o território perigoso e hostil de uma reunião de parentes em festa.
Maria, entretanto, está quase sempre no comando da situação. Ela é o porto seguro, a referência de um núcleo formado por dois irmãos – que moram em outras casas – e seu pai, Antonio (José Ángel Egido), dono de restaurante que mora com ela em uma bonita propriedade perto do mar na Galícia. Em tratamento de saúde, o que o exige encarar sessões de diálise, ele surpreende os filhos ao informar, no almoço do seu aniversário, que se casará com Cachita (Marina Skell), após vinte anos de viuvez. A protagonista, então, entrará em conflito por um espaço que ela, mesmo que acidentalmente, ocupou.
“Maria (E os Outros)“, então, exercitará boa parte das frustrações de uma protagonista que é fruto de uma geração que comprou vento e colheu tempestades em forma de cobranças de uma sociedade. Parece que foi criada uma cartilha de sucesso retumbante e precoce, escondendo o modelo para que boa parte não consiga cumprir. Fazendo a via crucis da mulher contemporânea, ela precisará lidar com os questionamentos sobre sua solteirice, ausência de filhos e diversas projeções sobre aquilo que os outros acham que ela deva fazer – em comparações com a nora grávida e chatices do gênero.
Por outro lado, Maria não gostaria de abandonar a posição de provedora ao qual criou nos espaços nos quais transita. O longa-metragem acaba se encontrando enquanto comédia também por acidente, já que a personagem parece dividida entre os esforços de se libertar e provar um ponto. Quer manter a casa como um feudo controlado, o pai como alguém que precise dela, mas sabe que isso não lhe trouxe qualquer benefício. A protagonista apresenta uma carência de rebeldia, que precisa ser expressada de alguma maneira para que ela possa se encontrar em sua individualidade. Uma missão dura para uma pessoa que não consegue fazer o mal.
Lennie consegue nos mostrar essa mistura de confusão, bondade, medo e um despertar por mudança. Traz toda a complexidade de Maria a partir das situações mais corriqueiras de reprodução de misoginia familiar, partindo de pai e irmãos que necessitam dela mas só sabem criticar e diminuir. Extrai graça de uma alteração comportamental, que vai tornando todas as suas manifestações algo entre o passivo-agressivo e o arrependimento por ver o circo começar a se incendiar. Nos momentos solitários, Nely Reguera faz muito bem uma composição onírica, que entrega as verdadeiras motivações e frustrações daquela mulher.
São os momentos em que os elementos periféricos ao núcleo familiar se transformam em agravantes. A escritora que obteve um sucesso jovem traz à tona não ter ela realizado seu sonho de publicar. Funcionária no mercado editorial, precisa lidar com esse olhar romantizado sobre o sucesso precoce, o que torna mais difícil ela concluir o que entende certo, o seu livro promissor. Se imagina, então, em noites de autógrafos e entrevistas, como uma adolescente faria quando tem “a vida toda” pela frente.
Por fim, esta é a grande mensagem que torna “Maria (E os Outros)” mais tocante do que comédias situacionais genéricas. Ao sempre adiar o momento de rebeldia, aquela explosão que se transforma no óbvio clímax de filmes do gênero, a diretora dissipa a ideia de que há um ponto sem retorno em nossa existência. Há sempre a chance de nos reinventar – então, devemos seguir nos reinventando. Deixar de ser a Maria que vai com os outros e passar a ser dona de si não é uma chave que se vira ou um processo que termina. Ao não aprofundar crises, a obra deixa uma lição de como ser melhor sem deixar de preservar nossas relações.
Veja o Trailer:
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