Meu Irmão Persegue Dinossauros

Meu Irmão Persegue Dinossauros Filme Crítica Poster

Sinopse: Em “Meu Irmão Persegue Dinossauros” Jack tem quatro anos e duas irmãs. Então, numa tarde, seus pais anunciam que ele terá um irmão e que será muito especial. Ele está feliz, porque para o menino, “especial” significa super-herói. Depois do nascimento de Gio, Jack percebe que ele não tem superpoderes. E aí ele descobre a palavra down.
Direção: Stefano Cipani
Título Original: Mio Fratello Rincorre i Dinosauri (2019)
Gênero: Comédia | Família
Duração: 1h 41min
País: Itália | Espanha

Meu Irmão Persegue Dinossauros Filme Crítica Imagem

Novos e Velhos Limites

Chegou esta semana no catálogo do Disney+ (por sinal, carente de novidades) a produção italiana “Meu Irmão Persegue Dinossauros“. Um olhar ficcional sobre um tema que abordamos em longo texto sobre o documentário “Um Lugar para Todo Mundo” que chega amanhã, dia 21 de setembro (Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência), ao catálogo da Globo Play. Entretanto, a base da história também é verdadeira, já que o longa-metragem adapta o livro do jovem Giacomo Mazzariol, que dividiu suas experiências infanto-juvenis com o irmão, Giovanni.

No filme, o protagonista se chama Jack (Francesco Gheghi), um garoto de quatro anos que fica ansioso pela chegada de um irmão, já que possui duas irmãs mais velhas. Seus pais descobrem, bem próximo do parto, que o menino possui Síndrome de Down e optam por tratar da questão com os outros filhos de forma lúdica. Falam do cromossomo a mais como um poder, enquanto tentam eles mesmos lidar com as dinâmicas familiares que estão por vir. O diagnóstico é de uma época em que a inclusão social ainda era algo embrionário. Por mais que o diretor Stefano Cipani construa uma espécie de aventura familiar, baseada na leveza, não deixamos de nos envolver com algumas representações.

Uma delas é a resposta puramente técnica e carregada de dados estatísticos que a médica despeja quando os pais de Gio (Lorenzo Sisto) perguntam qual o significado da criança ser down. Uma maneira de discriminar usando a expectativa de vida e as dificuldades relacionadas às crianças, o que, por si só, alimenta a ideia de que a integração é bem mais desafiadora do que na prática se apresenta. O casal, então, deixa do lado de fora essa forma de agir e leva aos filhos olhares positivos e, principalmente, propositivos.

Parecia que “Meu Irmão Persegue Dinossauros” seria apenas um conto simpático sobre um grupo de crianças se conhecendo e não vendo rótulos em suas relações. Entretanto, o roteiro de Fabio Bonifacci avança mais na história e nos leva à adolescência. A educação inclusiva é parte das conversas na mesa de jantar da família, que decide de forma democrática onde Gio irá se matricular e se respeitarão seu pedido por mais autonomia quando deseja voltar da escola sozinho. Porém, Jack não lida tão bem com o fato de ter um irmão down nesse período – ao contrário do seu amigo, Vitto (Roberto Nocchi), por exemplo.

Em contato com novos colegas e apaixonado por Arianna (Arianna Becheroni), ele opta por omitir a existência de Gio. Faz pior: trata dele no passado, como se tivesse falecido. Há a partir desse ponto uma exploração da crueldade do protagonista. Mesmo bem intencionada, inconsciente e inconsequente. Poderíamos problematizar muitas das questões trazidas – e mencionaremos a principal delas – mas é importante frisar que a obra é o discurso direto do Jack da vida real, Giacomo Mazzariol. Caso haja licença poética ou exagero por aqui, isso é fruto da leitura do próprio opressor – seja na fidelidade dos fatos, seja na hipérbole com a intenção de chocar.

Vale nesse ponto fazer uma crítica à plataforma de streaming, que não disponibilizou “Meu Irmão Persegue Dinossauros” no áudio original (apenas dublado em espanhol e português). É uma obra direcionada às crianças, mas que merece boa adesão junto ao público adulto. Não apenas porque a realização de Cipani é de qualidade, visualmente agradável e de bom ritmo. Mas porque há elementos colocados na trama que merecem o acompanhamento dos responsáveis e essa escolha do Disney+ pode dar um recado de que o filme é quase exclusivo para os pequenos.

Se você chegou até aqui e não deseja spoilers, pare e volte depois. Digo isso porque chama a atenção na parte final a ousadia do cineasta pelo uso da suástica nazista. Na parte final, quando o protagonista não consegue mais encontrar meios de se desvincular da imagem do irmão, ele decide apagar os vídeos do menino de seu pequeno canal no YouTube. Inventa, na doentia mente de um adolescente, uma história de que um grupo de nazistas pode estar por trás do ataque direcionado a Gio. Para ser “convincente”, cria um folheto com dizeres fascistas e a simbologia utilizada por Hitler.

Nesse atravessamento da história de Jack, que rompe qualquer barreira ética e moral na busca por pertencimento na nova escola, quem lhe dará a grande lição será o próprio irmão menor. Como uma aceitação do pedido de desculpas, o garoto pinta uma suástica em uma camisa e a veste. Há uma dualidade de interpretações aqui. A primeira é que, talvez, a liberdade poética (ou representação pura da realidade dos fatos) tenha ido longe demais. Argumento que carrega o receio da capacidade dessa representação de confundir (bastante) a cabeça dos jovens espectadores.

A segunda romantiza a cena e acha formidável que Gio coopte para si e para a relação com Jack um símbolo vinculado a eugenia e que promoveu tanto sofrimento em outros tempos. Quem comprar essa ideia, deve gostar da forma como “Meu Irmão Persegue Dinossauros” estica a corda nessa situação extrema a qual nos coloca. Até porque, dentre outras tramas paralelas, Arianna é uma menina que já mostra traços do ativismo pela inclusão e somente depois da aceitação e legitimação dela que as coisas melhoram para o protagonista.

Começa com uma lúdica aventura familiar, passar por um coming of age e termina com a carga pesada da simbologia nazista. Talvez não seja o grande filme da sua semana, mas sem dúvida é daqueles que opera pelos caminhos mais improváveis.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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