Leia nossa crítica de “Meu Pai”, seis indicações ao Oscar, estreia digital da semana.
Sinopse: Em “Meu Pai”, Anthony tem 81 anos de idade. Ele mora sozinho em seu apartamento em Londres, e recusa todos os cuidadores que sua filha, Anne, tenta impor a ele. Mas isso se torna uma necessidade maior quando ela resolve se mudar para Paris com um homem que conheceu há pouco, e não poderá estar com pai todo dia. Fatos estanhos começam a acontecer: um desconhecido diz que este é o seu apartamento. Anne se contradiz, e nada mais faz sentido na cabeça de Anthony. Estaria ele enlouquecendo, ou seria um plano de sua filha para o tirar de casa?
Direção: Florian Zeller
Título Original: The Father (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 37min
País: Reino Unido | França
Sem Certezas
“Meu Pai“, que estreia no dia 9 de abril nas plataformas digitais Now, Apple TV e Google Play pela Califórnia Filmes, se desenvolve em uma crescente confusão temporal e espacial quase enlouquecedora. Ao trazer as dificuldades de memória de Anthony (Anthony Hopkins) para a trama, Florian Zeller cria um mundo no qual a lógica deixa de operar da maneira como estamos acostumados. Aqui, a não linearidade parece ser regra.
Então, tomados e enlouquecidos pelos flashes que Anthony deixa escapar de memórias ou vivências (nada fica muito evidente durante o filme) ficamos confusos tal qual nossa octogenária personagem. As falhas ajudam a criar o clima de suspense no qual, em algum momento, deixamos de acreditar em todos. Não somente a ideia de realidade do senhor é colocada em jogo, mas também a lealdade de sua filha e de seu genro, já que sem qualquer estrutura sólida para nos agarrar, tudo que é dito ou visto costuma se diluir como fumaça.
O jogo de mistério involuntário funciona muito bem e nos leva ao grau do desespero. Zeller consegue fazer com que nosso corpo se sinta tão incomodado quanto o de Anthony. Sem saber muito bem o que é real, inventado ou de outra época, Hopkins interpreta um corpo completamente vulnerável que precisa confiar sem saber se aquilo que lhe é dito guarda a mais remota coincidência com a realidade.
É indubitável que a atuação do ator – uma das melhores dos últimos tempos e uma das seis indicações ao Oscar de 2021 do filme – nos ganha colocando uma pulga atrás da orelha. A confusão mental de Anthony convence. Qualquer um que tenha passado por ou convivido com o esquecimento constante sabe como é fácil se perder na dúvida. E, é assim que “Meu Pai” flana conosco. Sem apresentar uma versão mais real ou mais factível, nos deixa morar na incerteza angustiante.
É ao não romantizar a relação de Anthony com sua filha Anne (Olivia Collman) que as barreiras do envelhecimento são apresentadas. Por isso, o filme se torna bem mais interessante do que uma série de outros que tornam a temática central. “Meu Pai” entra para a lista de obras que não traduzem a velhice com fórmulas fáceis, mas se embrenham nas hesitações da mente que já não mais compreende as coisas com a mesma velocidade e assertividade que antes. A assertividade talvez também devesse ser colocada em questão já que, não raro, brinca com as mentes jovens e nos leva para o engano. Hesitar nem sempre é ruim.
A brincadeira narrativa do longa-metragem faz com que nos lembremos disso. Ao não definir o papel de Anthony e Anne na história, podemos vivenciar as múltiplas histórias contadas pelas personagens sem endeusar ou demonizar qualquer um dos dois. Os rompantes de humor do primeiro nos levam a ter um tanto de pena de sua filha aparentemente super dedicada. No entanto, quem nos garante que o que vemos é assim? Qual versão será mais próxima à real? Ou melhor: será que essas perguntas cabem?
Os diálogos retornam com outros rostos e em outras épocas, mas não é assim mesmo na vida? Por vezes, parecemos viver em um eterno déjà-vu. Talvez porque nossas questões permaneçam as mesmas, mas reconfiguradas a partir de novas situações. O desespero que “Meu Pai” traz é a recordação de que o sarcasmo de Anthony pode rapidamente se transformar em rispidez. Viver em situações limites nos leva para esse espaço nebuloso. Para quem cuida e para quem é cuidado o maior risco pode ser exatamente perder a ternura no caminho. As fantasias, os enganos e as ilusões não são nossos maiores fantasmas.
Veja o Trailer:
Clique aqui e leia críticas de outros indicados ao Oscar 2021.