Meu Pai

Meu Pai Crítica Filme Oscar 2021 Pôster

Leia nossa crítica de “Meu Pai”, seis indicações ao Oscar, estreia digital da semana.

Sinopse: Em “Meu Pai”, Anthony tem 81 anos de idade. Ele mora sozinho em seu apartamento em Londres, e recusa todos os cuidadores que sua filha, Anne, tenta impor a ele. Mas isso se torna uma necessidade maior quando ela resolve se mudar para Paris com um homem que conheceu há pouco, e não poderá estar com pai todo dia. Fatos estanhos começam a acontecer: um desconhecido diz que este é o seu apartamento. Anne se contradiz, e nada mais faz sentido na cabeça de Anthony. Estaria ele enlouquecendo, ou seria um plano de sua filha para o tirar de casa?
Direção: Florian Zeller
Título Original: The Father (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 37min
País: Reino Unido | França

Meu Pai Crítica Filme Oscar 2021 Imagem

Sem Certezas

Meu Pai“, que estreia no dia 9 de abril nas plataformas digitais Now, Apple TV e Google Play pela Califórnia Filmes, se desenvolve em uma crescente confusão temporal e espacial quase enlouquecedora. Ao trazer as dificuldades de memória de Anthony (Anthony Hopkins) para a trama, Florian Zeller cria um mundo no qual a lógica deixa de operar da maneira como estamos acostumados. Aqui, a não linearidade parece ser regra.

Então, tomados e enlouquecidos pelos flashes que Anthony deixa escapar de memórias ou vivências (nada fica muito evidente durante o filme) ficamos confusos tal qual nossa octogenária personagem. As falhas ajudam a criar o clima de suspense no qual, em algum momento, deixamos de acreditar em todos. Não somente a ideia de realidade do senhor é colocada em jogo, mas também a lealdade de sua filha e de seu genro, já que sem qualquer estrutura sólida para nos agarrar, tudo que é dito ou visto costuma se diluir como fumaça.

O jogo de mistério involuntário funciona muito bem e nos leva ao grau do desespero. Zeller consegue fazer com que nosso corpo se sinta tão incomodado quanto o de Anthony. Sem saber muito bem o que é real, inventado ou de outra época, Hopkins interpreta um corpo completamente vulnerável que precisa confiar sem saber se aquilo que lhe é dito guarda a mais remota coincidência com a realidade.

É indubitável que a atuação do ator – uma das melhores dos últimos tempos e uma das seis indicações ao Oscar de 2021 do filme – nos ganha colocando uma pulga atrás da orelha. A confusão mental de Anthony convence. Qualquer um que tenha passado por ou convivido com o esquecimento constante sabe como é fácil se perder na dúvida. E, é assim que “Meu Pai” flana conosco. Sem apresentar uma versão mais real ou mais factível, nos deixa morar na incerteza angustiante.

É ao não romantizar a relação de Anthony com sua filha Anne (Olivia Collman) que as barreiras do envelhecimento são apresentadas. Por isso, o filme se torna bem mais interessante do que uma série de outros que tornam a temática central. “Meu Pai” entra para a lista de obras que não traduzem a velhice com fórmulas fáceis, mas se embrenham nas hesitações da mente que já não mais compreende as coisas com a mesma velocidade e assertividade que antes. A assertividade talvez também devesse ser colocada em questão já que, não raro, brinca com as mentes jovens e nos leva para o engano. Hesitar nem sempre é ruim.

A brincadeira narrativa do longa-metragem faz com que nos lembremos disso. Ao não definir o papel de Anthony e Anne na história, podemos vivenciar as múltiplas histórias contadas pelas personagens sem endeusar ou demonizar qualquer um dos dois. Os rompantes de humor do primeiro nos levam a ter um tanto de pena de sua filha aparentemente super dedicada. No entanto, quem nos garante que o que vemos é assim? Qual versão será mais próxima à real? Ou melhor: será que essas perguntas cabem?

Os diálogos retornam com outros rostos e em outras épocas, mas não é assim mesmo na vida? Por vezes, parecemos viver em um eterno déjà-vu. Talvez porque nossas questões permaneçam as mesmas, mas reconfiguradas a partir de novas situações. O desespero que “Meu Pai” traz é a recordação de que o sarcasmo de Anthony pode rapidamente se transformar em rispidez. Viver em situações limites nos leva para esse espaço nebuloso. Para quem cuida e para quem é cuidado o maior risco pode ser exatamente perder a ternura no caminho. As fantasias, os enganos e as ilusões não são nossos maiores fantasmas.

Veja o Trailer:

 

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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