Sinopse: “Mutum” conta a história do menino Thiago (Thiago da Silva Mariz), morador de uma cidade no interior de Minas Gerais, que sofre duros baques em suas relações familiares, que o levarão a um amadurecimento precoce.
Direção: Sandra Kogut
Título Original: Mutum (2007)
Gênero: Drama
Duração: 1h 35min
País: Brasil
Etnografias Melodramáticas
“Mutum“, vencedor do prêmio de melhor filme no Festival do Rio de 2007, com passagens pelo Festival de Berlim e Festival de Cannes, foi o segundo longa-metragem de Sandra Kogut como diretora, seis anos após “Um Passaporte Húngaro“. Uma cineasta multifacetada, que transitou de vídeo-instalações ao cinema-realidade sem sobressaltos. Nessa obra de ficção, ela se vale de elementos clássicos da abordagem documental para ter a segurança de que o público verá seu protagonista Thiago (Thiago da Silva Mariz) com olhos empáticos.
Kogut repete escolhas de enquadramentos focados em transmitir as expressões do elenco, mas com o passar da projeção vai ampliando esse horizonte. Planos que detalham as ações, desde o uso do facão até o tocar de formigas. “Mutum” tem uma primeira metade promissora, se imaginarmos o deslocamento espacial e temático da diretora naquele ponto de sua carreira. Quando o menino ganha a mata, há um equilíbrio entre uma câmera que persegue com outra que se recolhe, à distância, mais receosa em relação ao que acontece.
O grande ponto de virada no longa-metragem se dá quando as transformações pelas quais Thiago passará lhe são transmitidas da forma mais dramática possível. A criança começa a participar de uma dinâmica adulta ao ouvir uma briga entre os pais, o que altera sua relação com seu tio. Até esse momento, o trabalho em abordar o sentimento de culpa causado pela falta de experiência em lidar com uma crise torna a experiência do espectador mais imersiva. Um trabalho de direção difícil, que demanda muitas cenas de interação entre crianças. É possível observar que o trabalho de construção de personagem por Thiago da Silva Mariz é feito levando em conta as particularidades de cada cena. Não há uma regularidade nas manifestações do elenco infantil, principalmente do protagonista e de Wallison Felipe Leal Barroso, que interpreta seu irmão Felipe.
Há uma densidade e um excesso de camadas inseridas naquelas personalidades que tornam esse trabalho difícil. Talvez por isso Kogut abandone o viés mais etnográfico, que funcionava muito bem em “Mutum” em oposição à forma impertinente como foi trabalhado em “Campo Grande” (2015) – tivemos a oportunidade de tratar desses aspecto na crítica. Essa forma quase poética da primeira metade da obra, de pensar em um processo edificante de amadurecimento, se perde em um caminho extremamente melodramático.
O ritual de passagem de Thiago não é somente doloroso, é representado de maneira a perturbar o público com um sofrimento levado até não poder mais. A cineasta soa deslocada em um ambiente que não consegue refletir, desde sua narrativa até a condução dos trabalhos. O epílogo de “Mutum” ainda cria uma terceira via ao longa-metragem de 2007, criando uma alegoria sobre a importância do médico de família e uma metáfora sobre “ver o mundo” que, em meio à produção audiovisual brasileira pulsante de 2020, soa quase como algo infantil.