Três Verões

Três Verões

Sinopse: “Três Verões” é uma dramédia em três atos, que conta a história da caseira Madá (Regina Casé) e as mudanças em sua vida entre 2015 e 2017, sempre baseadas nas consequências dos atos de seus patrões.
Direção: Sandra Kokgut
Título Original: Três Verões (2019)
Gênero: Comédia e Drama
Duração: 1h 34min
País: Brasil

Três Verões Imagem

A Volta da que Não Foi

Em “Três Verões“, assistido em pré-estreia no Festival Espaço Itaú Play, a diretora Sandra Kogut escala Regina Casé para viver Madá, a caseira do luxuoso casarão de Edgar (Otávio Müller). Cada parte do filme se passa em um verão, entre 2015 e 2017. No primeiro ato, as ações se passam no aniversário de vinte anos de casamento dos donos da casa. A cineasta, então, constrói sua narrativa a partir de uma trama quase genérica. O tratamento dispensado aos funcionários, o filho da patroa mimado, entre outras relações de poder ao estilo “Que Horas Ela Volta?” (2015), de Anna Muylaert. Aliás, a Madá de “Três Verões” difere bastante da Val, criada pela mesma Casé.

Todavia, esses realizadores oriundos da mesma elite que tentam a todo custo subverter em suas obras, insistem em carregar nas tintas da inocência seus protagonistas mais humildes. Madá, uma funcionária com inúmeras responsabilidades – gerenciando uma dezenas de outros empregados – e completamente atualizada (inclusive tecnologicamente), descamba para alguns alívios cômicos forçados, como insistir em falar português com uma visitante de outro país que claramente não lhe entende.

Kogut segue essa linhagem masoquista de retratar a (grande) parcela de seus pares, uma elite hipócrita e moralmente falida. Uma linguagem mais universalista e uma montagem mais atraente para o espectador menos crítico em relação a “Campo Grande” (2015), sua obra anterior. Um filme com potencial para servir de exemplo didático nas mesas dos bares do Baixo Gávea ou nas escolas particulares do Leblon. Quem sabe, tem o mesmo destino do longa-metragem de Muylaert e frequente uma vez ao ano a Sessão da Tarde da Rede Globo de Televisão.

O segundo ato já não precisa se agarrar aos rótulos, podendo avançar com uma trama, de fato, envolvente. Ideal para um país que vive há alguns anos no meio de uma aura punitivista, uma (alta) sociedade movida a operações da Polícia Federal. Com esse mote, Kogut imagina um mundo sem patrões e as consequências positivas e negativas disso. A propriedade cheia de câmeras não são o suficiente para a chegada da Justiça. Um conceito de Justiça, por sinal, fictício. Quando muito, o drama vivido por Edgar e sua família duram mesmo dois ou três verões. Um tipo de infrator que se vale dos próprios funcionários a lhe servirem como laranjas sem que tenham consciência disso.

Nesse ponto, a diretora acerta o tom ao não se perder em um leque de narrativas que poderia tirar a agilidade do longa-metragem e perdê-lo em tramas paralelas ou dramas forçados. Aos poucos, a maneira como o lado cômico dessa dramédia (uso o termo pela falta de um melhor, pois não o aprecio) se impõe consegue arrancar alguns sorrisos – talvez ainda amarelos. Nesse quesito, Regina Casé merece ser creditada como responsável, uma vez que impressiona como – até hoje – ela desempenhe papéis como o de Madá com muita naturalidade e vitalidade. Uma figura pública, que já se confundiu com seus personagens por buscar sempre esse apelo pelo popularesco – e que, mesmo assim, defende sua protagonista com muita dignidade. Em nenhum momento apela para a caricatura, como boa parte de atores que ficam marcados em papéis de pessoas pobres.

O filme segue a escola de um Cinema Brasileiro muito parecido com o folhetim novelesco, com narrativas que se valem de mansões alugadas com boa parte do orçamento de produção – e no momento mais divertido do filme, Sandra Kogut, com muita espirituosidade, joga com essa ideia na sequência inicial do terceiro ato. “Três Verões” usa a clássica estrutura de três atos para retomar uma temática que nunca se esvai totalmente na produção audiovisual brasileira. Um país que não consegue superar o abismo entre as classe sociais, que, mesmo tão extremados, se interligam do primeiro fio de cabelo até a ponta dos pés.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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