Na Cidade Branca

Na Cidade Branca Crítica Filme Alain Tanner Pôster

Sinopse: Em “Na Cidade Branca”, Paul, um engenheiro em um navio cargueiro, desembarca em Lisboa sem uma razão especial. Sua estadia em um quarto de hotel é como um parêntesis em sua vida, um interlúdio, durante o qual experimenta um grande vazio existencial. Ele vagueia pela cidade por dias a fio, filmando com sua câmera Super-8 e enviando as imagens para sua esposa na Suíça, acompanhadas de cartas que contam suas longas horas de meditação. Porém, em seus passeios, encontra Rosa, por quem se apaixona.
Direção: Alain Tanner
Título Original: Dans La Ville Blanche (1983)
Gênero: Drama
Duração: 1h 48min
País: Suíça | Portugal | Reino Unido

Na Cidade Branca Crítica Filme Alain Tanner Imagem

Uma Solidão, Dois Amores

O que parece ser uma das principais iniciativas de cinema fora do eixo em plataformas de streaming em 2021, o Petra Belas Artes à La Carte apresenta entre 6 e 19 de maio a primeira mostra “Volta ao Mundo“. Em parceria com a Swiss Film Foundation serão disponibilizados, em curadoria especial, oito filmes produzidos no país. A Apostila de Cinema foi convidada a ver três, entre eles dois longas-metragens do aclamado diretor Alain Tanner.

O segundo, de 1983, foi “Na Cidade Branca” (leia a crítica do primeiro, “O Último a Rir”, de 1969, clicando aqui). Apresentado na mostra competitiva do Festival de Berlim daquele ano, foi o vencedor da categoria do César de melhor filme falado em francês (e não produzido na França, cujo troféu foi dividido entre “Aos Nossos Amores” de Maurice Pialat e “O Baile” de Ettore Scola). Aqui estamos em outra fase da carreira do cineasta. Com nome consolidado, ele já havia participado do júri do Festival de Cannes em 1972 (e estaria no de Veneza também em 1983). Suas obras carregavam certas expectativas.

É possível que elas tenham sido satisfeitas. O longa-metragem é um produto de seu tempo, um exercício de art house que hoje soa exótico e de olhar atravessado sobre certo território. O filme conta a história de Paul, um engenheiro que trabalha embarcado, que decide, tal qual Charles Dé em “O Último a Rir”, apenas existir em algum lugar. Viver por um tempo buscando certo sentido nesta condição fundamental. Enquanto o protagonista da obra de 1969 faz uma imersão proletária, aqui temos um suíço se apaixonando em Lisboa. Interpretado por Bruno Ganz (que quatro anos depois estrelaria “Asas do Desejo”, clássico absoluto de Wim Wenders), parte da abordagem repete a ideia de um estranho chegando em um espaço o qual tem poucas chances de se adaptar.

A barreira linguística é logo uma das primeiras. Após alguns minutos em planos bem abertos, em que o personagem transita, flana, pela cidade histórica (tal qual Eurídice na introdução de “Orfeu Negro“), ele se vê no meio de uma conversa entre o dono da pensão onde ficará hospedado e Rosa (Teresa Madruga), uma moça que se divide entre atender o balcão do bar e receber novos clientes. Tainner faz um jogo de montagem interessante de início. Colocando Paul para fazer um diário imagético, captando imagens com sua câmera Super-8, ele quebra a narrativa com o olhar turvo, de pouca definição, que vem do aparato daquele homem. O filme explora bem a solidão misturada com certo encantamento, materializado em cartas que ele escreve para Élisa (Julia Vonderlinn), uma mulher que está na Suíça à espera do retorno do engenheiro.

Essa poética, contudo, não se sustenta. As licenças na montagem com o Super-8 quase inexistem no desenvolvimento, retornando apenas perto do fim. É compreensível, já que o envolvimento dele com Rosa o faz, de fato, viver (e não mais filmar) aquelas experiências. Só que isso nos deixa apenas com o olhar do diretor. Alain, então, nos entrega uma obra que carrega as tintas no exotismo, no fetichismo, na exploração. Há sequências que parecem até surgir de produções de Buttman (e não serei eu a explicar o que isso significa). Todas as percepções sobre a realidade de Paul, que – assim como boa parte de nós no atual contexto da sociedade pandêmica – nunca sabemos se estamos de férias, de folga ou trabalhando – vira uma narrativa de um galanteador, um típico flaneur colonialista. Essa diferença de ocupação das locações reais também destoa da obra anterior, apesar de ser um flagrante desdobramento da linguagem moderna.

Como foi dito no início do texto, não há nada em “Na Cidade Branca” que difere do que se produzia na época. Truffaut, essa hora beatificado pela cinefilia, também caiu nessa lógica no final da carreira. A romantização da cafajestagem, algo que ainda deve ser capaz de envolver parte dos espectadores. Paul se descreve como “um mentiroso que tenta falar a verdade”, ou seja, um crápula irremediável. Parecia que estaríamos próximos das reflexões existenciais de “Panquiaco” (2019), excelente obra do Panamá que também traz um trabalhador embarcado, porém para a América Latina. Não chega perto de uma busca por ancestralidade, isso seria óbvio. Porém, toda a proposta de cinema de arte criada por Alain Tanner vira uma trama padronizada dos anos 1980.

Até mesmo o vínculo com o passado (ou com a origem suíça) vista em Élisa se perde. Nas suas últimas intervenções, apenas lamentamos ela estar ali se alimentando de promessas em um relacionamento tóxico à distância. Quando parecia que “Na Cidade Branca” sairia ainda mais do foco existencialista e atrairia para si um romance de desencontros, a melancolia – que tão bem funciona no início – retorna. Há espaço para um anticlímax curioso, que fará os brasileiros que conhecem (ou viveram) o ano de 1982 revisitarem alguns traumas. No final, o que o protagonista queria era o que todos eles querem: conquistar um amor em cada porto.

Assista a sequência de “Na Cidade Branca” que apresenta Lisboa:

 

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Valor assinatura mensal: R$ 9,90 | Valor assinatura anual: R$ 108,90.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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