Sinopse: No Brasil, a pandemia do coronavírus encontra os povos indígenas em situação de grande vulnerabilidade, seja na defesa de seus territórios ou do direito à saúde. Em Brasília, Rio Grande do Sul ou na Amazônia os povos marcham e mesmo em tempo de ódio e opressão a resistência segue viva.
Direção: Ellen Francisco
Título Original: Na Fila do SUS/Episódio 2 – Povos Indígenas (2020)
Gênero: Documentário
Duração : 26 min
País: Brasil
Que Índio é Esse que eu Nunca vi?
Nas escolas (e, corrijam-me, caso estiver errada) somos informados de que existe um tipo ideal de índio. Existe o Dia do Índio (19 de abril), no qual todas as crianças ganham simulacros de cocares e pintam os rostos com desenhos que nada querem dizer. Ao longo de nossa educação, somos repetidamente ensinados assim. O índio, como se não houvessem inúmeras particularidades entre as diversas etnias e tribos.
Levamos isso para a vida adulta sem questionar (assim como, na maior parte das vezes, também não questionamos a diversidade da população negra que foi escravizada). Entendemos que o Brasil e os países que foram colonizados são formados pelo Europeu, pelo Índio e pelo Negro – assim mesmo, com letra maiúscula, apagando qualquer multiplicidade possível.
Alguns de nós, quando adultos, entendemos a particularidade que envolve o processo colonizador. Outros, resolvem não falar mais sobre isso. Mais fácil.
O mapa que utilizo como introdução a esse texto resume algumas dessas questões. No entanto, sinto ser necessário explorar melhor o que ele significa. Na Plataforma do Letramento vocês poderão encontrar uma análise mais profunda, mas necessito aqui ressaltar parte do texto “Língua viva x Língua Morta”:
“As estimativas dão conta de que o Brasil abrigava em torno de 1.175 línguas em 1.500. Hoje, 274 línguas indígenas são faladas por 305 etnias, de acordo com o IBGE.”
Ou seja, apesar do brutal descaso com esse povo, ainda resistem 305 etnias. Com línguas, rituais, pinturas e vestes distintas. Mas, em sua concepção de mundo, todos convergem. Para as etnias indígenas a natureza é entendida como um conjunto de deuses. O Rio um, o Céu outro, o Ar mais um e, finalmente, a Terra. O território. Assim, podemos entender porque o território é tão importante para o povo indígena (em um sentido mais vasto).
Agora podemos entender, por exemplo, porque inúmeros índios choravam à beira do Rio Paraopeba com o rompimento das barragens em Brumadinho. Não era por mera questão do cotidiano dificultado, já que o utilizavam para pescar, lavar roupa… Ali, naquele momento, uma entidade guia morria.
O Episódio II da websérie “Na Fila do SUS” (disponível na plataforma Bombozila) começa com a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas de diversas etnias indo à Brasília para protestar contra o desmonte da SESAI (Secretária Ambiental de Saúde Indígena). Pará, Santa Catarina, São Paulo (lembrem-se das aldeias urbanas) são apenas alguns territórios representados na Marcha. Para elas, a representatividade feminina era importante porque são as mulheres que cuidam dos índios mais novos, seus filhos.
A indígena Alessandra Mundukuru de Tapajós resume em uma analogia de extrema sensibilidade, a qual para ela, deve ser cotidiana. Nós, povos urbanos, é que apartamos nossos corpos da natureza.
“A Marcha das Mulheres é muito importante justamente porque todas as mulheres vão estar juntas. Todas mulheres vão estar ligadas como se fosse uma árvore grande, né? Cada um galho da árvore vai estar ligado uma nas outras”.
A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas ocorreu em 13 de abril de 2019 com a intenção de ocupar a SESAI e resguardar uma saúde diferenciadas para os índios dentro de suas aldeias. Entendendo que o órgão não estava caminhando de acordo a defender as vidas indígenas, ela tomam o prédio e exige mudanças na estrutura do órgão.
No meio dessa discussão, o documentário é pego pelo alastramento do COVID-19 no Brasil e grande parte dos ativistas, que permaneciam em grande cidades justamente para dar visibilidade à causa, voltam aos seus territórios e se isolam com medo da nova epidemia de saúde ao longo da produção desse episódio de “Na Fila do Sus”.
Assim, a exploração predatória de seus territórios, seus deuses e suas vidas fica ainda mais evidente. Então a equipe resolve partir para Porto Alegre para conversar com Roberto Liebgott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI Sul).
Durante os últimos anos, mas mais fortemente durante 2019, a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) passa por um desmantelamento. Assim, não poderíamos esperar outra coisa do especialista que não uma preocupação com o povo que se refugiou em suas terras, porém sem atenção primária à saúde.
Corpos extremamente vulneráveis, tal qual aquele que se encontravam nessas terras antes da invasão portuguesa. O medo de morrer assombra a população que resiste muito por conta da história oral que lhes é passada. Se, quando da chegada dos europeus, 80% da população que habitava essas terras foi dizimada pelas doenças que seus corpos não conheciam, quantos % resistirão agora?
Os indígenas avisam Nhanderu, deus-luz Guarani, que nos observa: “A lei existe, mas o homem não quer cumprir“.
É possível viver sem os deuses indígenas? Espero que não tenhamos que descobrir com o esgotamento do que chamamos de recursos naturais, nome que reflete o nosso distanciamento com a natureza. Não nos entendemos como parte dela, mas a utilizamos para continuar a expandir nossos territórios de conquista.
OBS: Esse post seja publicado no dia 5 de Junho (Dia Mundial do Meio Ambiente), pode ser mera coincidência, já que não havia me programado para publicá-lo hoje. Porém, não acredito em coincidências.