Sinopse: Daniel O´Neil (Evandro Mesquita) é um aspirante a escritor que precisa realmente ir à luta quando Dora, sua namorada rica, lhe dá uma solene dispensa. Além disto, é expulso do hotel em Copacabana onde morava. Daniel vai morar então no pequeno apartamento de Meg, sua melhor amiga, mas logo coloca os dois em confusão quando pega carona com Macula, um conhecido traficante que acaba sendo perseguido pela polícia e pede que Daniel guarde dois pacotes de cocaína.
Direção: Mauro Farias
Título Original: Não Quero Falar Sobre Isso Agora (1991)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 29min
País: Brasil
Filhos da Década Perdida
O ano de 1991 marcou o auge da crise do Cinema Brasileiro. Um ano após a edição da Medida Provisória do governo Collor que decretou o fim da Embrafilme, a fonte da produção audiovisual havia secado. Apenas pelas mãos da RioFilme que “Não Quero Falar Sobre Isso Agora“, longa-metragem de estreia do diretor Mauro Farias, chegaria às salas de cinema em fevereiro de 1993. Antes disso, ele seria o grande vencedor do Festival de Gramado, que a partir da edição seguinte – em virtude da quase inviabilidade de se promover um evento focado em obras nacionais – ampliaria seu leque para obras ibero-americanas e ficaria três anos sem premiar como filme o país (até a criação de uma categoria própria em 1995).
Não devemos fugir das frequências políticas ao qual um festival como esse está sujeito. A obra recebeu seis troféus (filme, dois por atriz com empate entre Marisa Orth e Eliana Fonseca, roteiro, som e prêmio da crítica) – em um ano onde “A Maldição do Sanpaku” de José Joffily e “Matou a Família e Foi ao Cinema” de Neville D’Almeida estavam presentes na resistência. O primeiro ganhou fotografia, montagem e ator coadjuvante para Roberto Bomtempo. O segundo, além de direção, ganhou o de atriz coadjuvante para Ana Beatriz Nogueira. Todos os outros troféus foram para “Vai Trabalhar Vagabundo II: A Volta (júri popular, direção de arte, música e ator para Hugo Carvana).
Porém, é inegável que “Não Quero Falar Sobre Isso Agora” é o puro suco de seu tempo. De uma sociedade que assistia sua juventude sem perspectiva entrar em parafusos ao testemunhar um país ruir diante de seus olhos. As liberdades conquistadas pela democracia e pela censura mitigada não se transformaram em avanço econômico. Pela primeira vez o eleitorado caiu no conto do neoliberalismo para se salvar do fantasma do comunismo. O Daniel de Evandro Mesquita é um desses representantes, diretamente da capital da cultura e da esculhambação, o Rio de Janeiro.
O território explorado por Farias é de uma cidade parada no tempo. Seu protagonista também faz as vezes de narrador e qualifica a Copacabana como decadente. Em um sonho, onde a amante ricaça Dora (Monique Lafond) está ao seu lado em uma lancha na Baía de Guanabara, ele a ameaça com uma arma para que ela pule na água. Seu sofrimento viria, claro, das águas já poluídas. De uma família tradicional de realizadores, não seria exagero afirmar que os desafios encontrados por Mauro foram bem menores do que o habitual. Sua carreira após este filme não obteve o mesmo sucesso, mas ele consegue se sair bem na proposta aqui. Pelo menos inicialmente.
E a proposta é a de entregar um cinema possível. Enquanto linguagem, a obra já se afastava não apenas da pornochanchada, mas também das produções oitentistas que trazia o Rio de Janeiro como cenário, naqueles feel good movies à brasileira – e que revelou Mesquita em “Menino do Rio” (1982). Tudo bem que não chegamos perto do que o próprio Neville D’Almeida constrói em “Rio Babilônia” (1982), mas algumas das saídas encontradas pela produção nacional partiram de exercícios como este aqui. Antecipando uma das estéticas da Retomada, aquela que encontraria no RioFilme uma nova onda de filmes-propaganda, a cidade mostrada aqui é a limitada ao Centro e à zona sul. Até o espectador menos concentrado identificará a mureta da Urca, o Aterro do Flamengo, dentre outros cartões-postais.
Nem toda proposta, entretanto, parece se consolidar. Daniel surge como um personagem que deseja a vida de bon vivant, mas não consegue – e depois precisa emplacar um de seus roteiros em um canal de televisão. A narração desapegada, debochada, típica de uma personalidade como a de Mesquita (já estourado como vocalista da Blitz), se aproxima de um noir tropical – mas esse aspecto da narrativa começa a ser abandonado quando a comédia de erros ganha forma. Ao aceitar ficar com o produto de crime de um vizinho, o protagonista se enrola ainda mais e vira vítima de suas próprias malandragens.
É quase como se fosse dada uma nova abordagem dentro da mesma obra. Até o filete dramático, baseado nas motivações de um país que não lhe permite ter perspectiva, vira uma aventura simplista. A frase inicial do filme, “o otimista é um idiota alegre“, acaba se aplicando à própria criação de Mauro Farias. Ansiando uma fluidez narrativa, que a década de 1990 consagraria com produções de apelo popular muito conhecida, “Não Quero Falar Sobre Isso Agora” pratica um rompimento com as próprias engrenagens, que deram tão certo no ato inaugural.
Porém, usando o Rio de Janeiro quase que como um canto de sereia, ainda é capaz de atrair atenção. Se o cinema o superou enquanto linguagem, a sociedade insiste em atualizá-lo ao cair na mesma esparrela neoliberal de vez em quando.