Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo

Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo

Sinopse: “Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo” traz uma investigação sobre três lendas urbanas paulistas: o Bebê Diabo, a Loira do Banheiro e a Gangue do Palhaço. Originadas em boatos, foram noticiadas pelo extinto jornal Notícias Populares (NP) em épocas distintas. A partir desta busca é revelado um universo onde fantasia e realidade se confundem.
Direção: Renata Druck
Título Original: Nasceu o Bebê diabo em São Paulo (2002)
Gênero: Documentário
Duração: 51min
País: Brasil

Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo

Novas Lendas do Brasil: Nasceu com Chifrinhos

“Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo” mostra que o Brasil tem uma capacidade incrível de criar e inventar lendas urbanas. Chupa-cabras, A Loira do Banheiro, O Homem do Saco, A faca dentro da cabeça do boneco Fofão. Somos terra fértil para programas sensacionalistas. E não precisa de muito. Geralmente, essas lendas são passadas no boca-a-boca. Até que um de nossos jornais populares do gênero “se espremer, sai sangue” resolva adotá-las para chamar de suas. Afinal, algumas manchetes chamam mais atenção.

Talvez sejamos eternos saudosistas do folclore e assim embarcamos sem nem pensar muito bem sobre a possibilidade científica do fato. E olha que ainda não estávamos, à época, familiarizados com o termo “fake news“.

Admito que sou uma entusiasta das lendas urbanas. Desde seu surgimento até sua expansão e permanência na mente de tantas pessoas mesmo após anos. O caso do Bebê Diabo é um desses.

O documentário em questão fez parte da seleção do 7° festival Internacional de Documentários É Tudo Verdade 2002, onde recebeu os prêmios Minc de Documentários (saudades de quando tínhamos um Ministério da Cultura) e Rumos Cinema e Vídeo Itaú Cultural 2001 na categoria Produção e Desenvolvimento de Projetos.

Quando vi o filme dentre os selecionados para a versão do É Tudo Verdade Online: As Diretoras, que ao longo do mês de junho de 2020 trouxe alguns novos clássicos do cinema brasileiro e mundial no gênero documentário, achei que, de forma bastante particular, esse filme de 2002 guardava uma relação quase mística com a que vivemos hoje, quase vinte anos depois. Seríamos hoje capazes de acreditar no nascimento de um Bebê Diabo? Minha aposta: Sim.

Quando a diretora Renata Druck resolveu investigar o caso ocorrido em São Bernardo do Campo, em São Paulo, creio que foi justamente essa nossa inspiração para bizarrices que a motivou. A descrição da criança? Corpo cheio de pelos, dois chifres e rabo de cinco centímetros. Mais assustador que “O Bebê de Rosemary” (1968).

A patir daí, Druck se vale de imagens de noticiários da época e passa a enumerar as lendas urbanas citadas aqui, dentre outras. Mas seu interesse específico é pelo suposto bebê demoníaco. O documentário ganha certa graça ao dialogar diretamente com os noticiários sensacionalistas, fazendo uma sátira que pode ser até mesmo compreendida como homenagem ao emblemático Gil Gomes.

Essa linguagem faz com que “Nasceu o Bebê Diabo em São Paulo” ganhe muito em sua narrativa, permitindo que, até mesmo a parcela do público mais cética, se interesse pelo desenrolar da obra. As entrevistas seguem a mesma linha. Mesmo que o primeiro entrevistado já tenha dado a solução para o suposto mistério: problema congênito.

Com poucos minutos o espectador já está tão envolvido pelo clima sombrio criado por Druck, que diz: “Problema congênito nada! Bebê diabo!” Até a edição nos remete a esses noticiários. Não me surpreende que tenha conquistado prêmios à época e sido selecionado para esse pequeno recorte histórico que antecede ao Festival Online É tudo verdade 2020, comemorando vinte e cinco anos da mostra.

O bebê diabo teria nascido em 1975. Dentre os entrevistados, há os que admitam se recordar do caso e outros que preferem esquecê-lo. Outras lendas retornam à narrativa do filme por vez ou outra, como a Gangue do Palhaço e a Loira do Banheiro, mostrando que esse não é a única história não resolvida.

Mais do que efetivamente provar se esses casos existiram ou não – coisa que parece impossível dado o grau de esquisitice alcançado – é pensar no porquê de sua manutenção. Os que dizem ter presenciado as situações insólitas, o afirmam com uma certeza voraz. Daquelas loucas para consumir a próxima lenda que chegar. Dentre esses entrevistados estão enfermeiras, taxistas, caminhoneiros e jornalistas. Pessoas que circulam na rua, ambiente propício para que essas lendas nasçam e reverberem.

Fantasia ou não, as lendas funcionam como fusões sociais: nos permitem falar sobre o medo, o estranho, o fora da ordem sem ter que efetivamente dizer que, em verdade, procuramos o que nos une enquanto moradores de um mesmo espaço.

As lendas urbanas, tal qual o folclore sempre existirão.

Vai dizer que nunca viu a Loira do Banheiro?

Nos anos 90 e início dos anos 2000, era a voz de Gil Gomes que nos anunciava essas situações “fora da ordem”. Ainda que Gomes tenha falecido em 2018, passaremos por muitas outras vozes.

Precisamos saber quais medos nos unem.

VEJA O TRAILER:

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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