Noite

Noite Paula Gaitán Filme Crítica

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Sinopse: Durante à noite, uma mulher passeia pela cidade, e ouve as diversas músicas ao redor: jazz, rock, música eletrônica. O Filme mostra um registro sensorial dos corpos e dos sons urbanos.
Direção: Paula Gaitán
Título Original: Noite (2015)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 27min
País: Brasil

Noite Paula Gaitán Filme Crítica

Faça a Sua Balada

A Mostra Homenagem da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes trouxe o mosaico musical e sensorial de Paula Gaitán, “Noite“, lançado originalmente em 2015. A experiência de assisti-lo em um dos finais de noite das maratonas do festival o fez quase complementar à Sessão da 00:00, com todas as formas que essas experiências audiovisuais unilaterais têm nos proporcionados.

Quando escrevemos sobre “Ópera dos Cachorros” e tratamos do cinema enquanto produto e da obra não-visual, com imersão sonora da cineasta, classificamos (com todos os problemas que exercícios dessa natureza possuem) a obra enquanto videoinstalação moldada para os tempos da pandemia. O experimentalismo de “Noite”, entretanto, é mais facilmente absorvido, até pelo olhar treinado de narrativas que usam a música enquanto fio condutor. No filme, percorremos casas noturnas em que DJs e bandas se apresentam. De danceterias de uma classe média alta capaz de tirar prazer do debruçar por uma experiência diferente dos ambientes hermeticamente projetados para satisfazê-los a verdadeiros inferninhos, aqui há uma intenção de mistura e confluência de espaços.

Na montagem, Gaitán avança usando as diferentes perspectivas de uma balada. Da câmera lenta e os efeitos causados pelas luzes da pista de dança, ao emaranhado de representações provocadas pela bebida. Ela pensa seu filme como um compilado referencial que não se segmenta: eletrônico, ópera, música francesa, jam sessions – o público segue um caminho sem volta de exploração territorial, encontrando na arte musical possibilidades de alguma vinculação lógica.

O que mais chama a atenção em “Noite” é, de fato, essa unificação de olhar. Não é sempre que conseguimos isolar aquele ambiente e fazer um recorte. Isso porque a noite é um convite ao marginal, ao anonimato, à escuridão. Uma imersão que o cinema faz, de forma diferente. É difícil transpor uma relação que nunca se pauta na passividade em uma manifestação artística de troca, como o audiovisual. Gaitán faz um convite e o espectador precisa, nesse caso, de uma parcela bem maior de interação com a obra. Quedar-se inerte, manter a passividade na experiência, é não se encontrar com o longa-metragem.

No campo da pessoalidade, o filme me fez lembrar uma das primeiras experiências que tive do olhar de tudo o que a noite permite, ainda que didaticamente pela televisão, enquanto criança. Na turnê do álbum Very (1993), os Pet Shop Boys fizeram uma primeira metade recheada dos sucessos anteriores da carreira, em que o sintetizador ainda era muito marcado. Reflexo de terem lançado uma coletânea dos anos antes do disco de inéditas e de terem a rara oportunidade (à época) de ampliar os países aos quais se apresentariam para a América Latina.

Curioso como, dentro dessa referência audiovisual única, “Noite” consegue se encaixar na proposta. Até as quebras, quando abandona sua narrativa marginal e anárquica e trás um pouco de pop com a canção das Supremes, dificilmente saímos da sessão sem ter como marca visual uma mistura de suor e prazer. Uma sensualidade que Gaitán entendeu (ainda bem) que não cabia um videokê. Na materialização referencial, a canção de Patti Smith é mencionada nos créditos. A noite pertence a muitos, mas desde o início do isolamento social não pertence mais aos que buscam saúde e uma vida segura. Portanto, foi bom lembrar de uma época em que pertenceu a mim também.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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