O Bom Cinema

O Bom Cinema Documentário Crítica Poster

10º Olhar de Cinema | BannerSinopse:  Há décadas atuando na contramão da política de apagamento que incendeia e assombra a memória do cinema nacional, Eugenio Puppo revisita a formação de uma das mais notórias gerações de cineastas do país, explorando a estreita e inusitada relação entre uma encíclica papal e o surgimento do Cinema Marginal. Composto por um conjunto valioso de imagens de arquivo, o filme se torna uma verdadeira cápsula do tempo, capaz de fazer ecoar no presente (em um aceno direto para o futuro) as provocativas vozes e imagens de Reichenbach, Sganzerla, Mojica e tantos outros.
Direção: Eugenio Puppo
Título Original: O Bom Cinema (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 21min
País: Brasil

O Bom Cinema Documentário Crítica Imagem

Não Mau Nem Feio

Em exibição especial no 10º Olhar de Cinema, o documentário “O Bom Cinema” usa um expediente parecido a outras obras, como “A Praga do Cinema Brasileiro” (2019), “Humberto Mauro” (2019), dentre outras produções que revisitam a história do nosso audiovisual priorizando a reapresentação – ou apresentação, já que a mistura de preconceito e falta de preservação deixa boa parte do espectadores, até alguns cinéfilos, com menos contato com a produção nacional do que se deveria. Reflexo direto dessa carência, que tende a se agravar com a atual política de desmonte, destruição e ódio do atual governo.

Por coincidência, na manhã seguinte à sessão virtual do longa-metragem, seguido de uma mistura de aula e conversa apaixonada do diretor Eugenio Puppo e do montador Cédric Fanti com Carla Italiano no canal oficial da mostra no YouTube (assista ao final da crítica), notícias direto dos Estados Unidos mostrava que uma produtora de lá, comandada pelo ator Elijah Wood, adquiriu os direitos para adaptar o personagem Zé do Caixão em inglês e espanhol. Em contrapartida, algumas criações de José Mojica Marins receberiam restauro e distribuição internacional.

Sem entrar na celeuma que se criou sobre a apropriação cultural de Coffin Joe e as renovações de esperanças de que, pelo menos, esse grande mestre do nosso cinema seja mais reconhecido, nos encontramos no filme de Puppo pelo olhar da Boca do Lixo e a maneira como os realizadores do final dos anos 1960 observaram o que seria um “cinema possível”. Se já não bastasse a relevância histórica da obra, ficamos com a mensagem de que o audiovisual sobrevive nas adversidades, resiste enquanto arte política e a luta por uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva passa por ele – e deve bater forte no público que prestigiou as duas exibições (muito) especiais do documentário.

A montagem já nos permite criar essa conexão com o todo nas cenas de “Ganga Bruta” (1933), clássico do já citado Humberto Mauro. O cineasta, na edição de Fanti, traz o contraste com a Nova Iorque pulsante da época e de como a formação do olhar sobre o cinema se forjou de maneira atravessada em todo o mundo. O falso moralismo que colocou casais em camas separadas nas obras hollywoodianas se encontra com a proposta de cinema vinculado à vida de Nelson Pereira dos Santos. E foi na mistura de prosseguimento e rompimento com o Cinema Novo que os marginais (assim intitulados como forma de deslegitimá-los) ganharam a cena.

Sem o romantismo de uma arte política que deseja ser uma convocação alegórica, é verdade. Ainda formada por um grupo majoritariamente masculino e com seus privilégios – o que torna complexa a vinculação com uma produção cultural à margem. Eles assim foram postos pelos seus próprios colegas, mas de forma rápida encontraram popularidade e leituras que permitiram sua emancipação. As falas de Carlos Reichenbach, que soam como aulas, corroboram com essa ideia. A formação acadêmica misturada com a contestação se inicia em “O Bandido da Luz Vermelha” (1968) de Rogério Sganzerla e “As Libertinas” (1968) do próprio Carlão e permanece até hoje, em um grupo de criatividade e inspiração inesgotável.

A precariedade era um elemento, mas não como uma busca. O Cinema Marginal era espontâneo, estruturado em uma fina camada e romper com aspectos formais era do jogo. Isso não impediu de formar mestres de qualidade técnica inquestionável, como toda a trajetória na direção e na fotografia de Jorge Bodanzky atestam. O poder mercadológico dessa estética que misturava o cotidiano das grandes cidades com o olhar redentor encontrou plateia, fez de “As Libertinas” a maior bilheteria em preto e branco e transformou o movimento em um sistema.

Não dá para passar pelas questões envolvendo as identidades nacionais do século XX sem passar por esses agentes, assim como pelo Modernismo. São duas São Paulos distintas, mas presentes no imaginário até de quem renega os artistas do próprio país. A estética da Embrafilme seria motivo de frustração para os envolvidos, mas o tempo passou e eles seguiram com financiamentos para novas obras no século XXI. Incluindo Júlio Bressane, que também fez parte do Olhar de Cinema com “Capitu e o Capítulo” (2021).

O que “O Bom Cinema” faz é misturar informações perdidas pelo caminho com celebração. Uma antologia, mais uma, de cenas memoráveis do Cinema Brasileiro para um país que precisa com urgência voltar a se ver nas telas. Os filmes estão prontos, apenas o aguardando.

Assista à conversa entre Carla Italiano, Eugenio Puppo e Cédric Fanti sobre “O Bom Cinema”:

Clique aqui e acesse a página oficial do evento.

Clique aqui e acesso os textos da nossa cobertura.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *