Sinopse: “O Charlatão” é inspirado na história do herborista Jan Mikolasek, que dedicou a vida aos cuidados de pessoas doentes, apesar dos imensos obstáculos que enfrentou nas esferas pública e privada. Nascido na virada do século 20, Mikolasek ganha fama e fortuna usando métodos de tratamento pouco ortodoxos para curar uma ampla gama de doenças. Renomado na Tchecoslováquia antes da Segunda Guerra Mundial, o curandeiro aumenta a reputação e a riqueza durante a ocupação nazista e sob o regime comunista. Todos esses regimes, um após o outro, se beneficiam das habilidades de Mikolasek e dão proteção a ele em troca. Mas quão altos devem ser os custos para manter esse status quando as coisas mudarem?
Direção: Agnieszka Holland
Título Original: Šarlatán (2020)
Gênero: Drama Biográfico
Duração: 1h 58min
País: República Tcheca | Irlanda | Polônia | Eslováquia
Tudo a Perder
Resgatando a história de Jan Mikolásek (Ivan Trojan), a diretora Agnieszka Holland apresentou “O Charlatão” no último Festival de Berlim. Parte da programação da seção Perspectiva Internacional da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme deverá receber algumas críticas por conta do ritmo imposto pela cineasta. Ao exagerar na criação do arco do que seria um ato inicial, que ocupa mais do que um terço do longa-metragem, a narrativa exige do espectador um tempo de maturação que – ao final – não se revela muito proveitoso, já que na continuação há, por vezes, a sensação de que estamos andando em círculos.
Não que a indefinição de linguagem ou de gênero torne confusa a trama, pelo contrário. A cineasta parece querer o dinamismo ao não buscar uma definição. Uma biografia pensada a partir de flashbacks iniciados a partir da prisão do herborista após a morte de dois pacientes que, supostamente, foram envenenados pelo composto por ele prescrito. Uma acusação bem mais grave do que aquela que os dois filmes produzidos pela Igreja Universal no Brasil sobre Edir Macedo “(“Nada a Perder” de 2018 e a continuação de 2019), que também usa uma detenção como mote – essa, sim, sob o crime de charlatanismo. Sem engessar essa forma de contar a história, Holland nos propõe um filme de tribunal, a partir das conversas com o defensor público que auxiliará Jan; ao mesmo tempo que constrói um romance de decepção, mostrando como o homem lidava com sua orientação sexual.
Porém, “O Charlatão” demora um tempo para tornar plural sua abordagem, desde sua longa sequência inicial (após um prólogo que mostra que o biografado era requisitado por grandes figuras, como o Presidente do país). O objetivo é mostrar a longa fila de pacientes de Mikolásek enquanto ele parece ter o dom da analisar laboratorialmente o que se passa com essas pessoas a partir de um exame preliminar de urina, no famoso “olhômetro”. Em paralelo, ele receita seus medicamentos totalmente a base de plantas, confiando na cura natural.
Agnieszka demora a explorar o outro tipo de fé do protagonista, aquela cristã punitiva, promovedora de culpa – a que o fará se autoflagelar quando os desejos da carne lhe despertarem. Boa parte do ato inaugural (que já dissemos que se prolonga em excesso) é uma grande reflexão do curandeiro sobre a possibilidade de se aposentar. Traumas de guerra quando jovem e a educação informal por outra herborista surgem de forma rápida. Com isso, o sentimento de culpa pelo amor vivido aterrissa de uma forma que não deixa no público um sentimento de conexão. Extrapola nos momentos em que elementos transitórios – que nem chegam a se transformar em subtramas – surgem sem que a narrativa ou o desenvolvimento dos personagens se altere significativamente.
Acaba que “O Charlatão” é um longa-metragem que nos apresenta Jan Mikolásek quase que de forma preliminar. Agnieszka Holland foge das convenções dos dramas biográficos, ousa não ser panorâmica e partir de um ponto específico de sua vida, mas, não transforma essa escolha de abordagem intrigante em uma obra coerente com tantas possibilidades que ela mesmo abre. Perfura, mas não penetra.
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