Sinopse: Em “O Contador de Cartas”, William Tell só quer jogar cartas. Sua existência espartana na trilha do cassino é destruída quando ele é abordado por Cirk, um jovem vulnerável e furioso que busca ajuda para executar seu plano de vingança contra um coronel militar. Tell vê uma chance de redenção por meio de seu relacionamento com Cirk. Mas manter Cirk no caminho certo é impossível, arrastando Tell de volta para a escuridão de seu passado.
Direção: Paul Schrader
Título Original: The Card Counter (2021)
Gênero: Drama | Suspense
Duração: 1h 51min
País: EUA | Reino Unido | China | Suécia
O Velho Paul
Parte do Festival de Veneza de 2021, “O Contador de Cartas“, longa-metragem que passou pelos cinemas brasileiros no primeiro semestre e foi exibido esta semana por 24 horas na programação especial do Festival do Rio no Telecine, veio carregado de expectativas pelos cinéfilos. Sobretudo, aqueles que gostam de acompanhar as filmografias oriundas do que chamamos de Nova Hollywood. Com produção de Martin Scorsese e, principalmente, pelo roteiro e direção de Paul Schrader, o filme é o mais recente trabalho do realizador, que demorou quatro anos para lançar outra obra depois da boa receptividade de “Fé Corrompida” (2017).
Esses quatro anos, por sinal, fez bem à história estrelada por Ethan Hawke. Aos poucos, começou o burburinho de que a trama do padre que precisa se adaptar a uma nova paróquia seria “um dos grandes injustiçados do Oscar”, para aqueles que ainda buscam o prêmio da Academia como prova de mérito absoluto. A curiosidade fez com que alguns se conectassem com outros exemplares de bom cinema, principalmente o filme-inspiração de Schrader, “Diário de um Padre” (1951), de Robert Bresson. Chegamos ao final da década com a sensação de quem “Fé Corrompida” seria uma pérola esquecida.
Ao nos depararmos com “O Contador de Cartas“, boa parte da escolhas do cineastas se mostram diferentes – ou até mesmo contrapostas. Se o pároco carregava consigo uma simbologia capaz de destrinchar metáforas e críticas profundas ao seu ofício e função na sociedade, aqui a hipocrisia escancarada por Paul é bem mais sutil (na falta de uma palavra melhor). Não podemos dizer que ele age com ardil ao trazer para o centro da trama um homem que “só quer jogar cartas”, como a sinopse oficial define. William Tell (Oscar Isaac) carrega um conjunto de motivações incomumente veladas em relação aos thrillers desta natureza, tornando-o uma espécie de esfinge até mesmo para a audiência. Por sinal, uma produção desafiadora para o ator, já que o baixo orçamento fez com que o diretor filmasse uma ou duas tomadas de todas as sequências. São vinte pessoas creditadas como produtores executivos, sendo apenas o dinheiro deles o custo total do filme.
Nos primeiros minutos do longa-metragem é possível materializar uma característica importante do protagonista. Após muitos anos em uma prisão de segurança máxima, William parece mergulhado na rotina e consumido pelo pragmatismo. Quase como se sair daquele espaço em busca de uma ressocialização que ele não quer, fosse um martírio. Tell parece fadado a retornar àquele ambiente, de certa forma. Quando ele se restabelecesse no seio da sociedade, seus objetivos parecem modestos. Ele usará seu dom e disciplina como contador de cartas para obter dinheiro fácil, sem riscos.
Claro que este talento atrairá pessoas com propostas de ganhos maiores, envolvendo o pôquer. Isso fará com que o personagem vivido por Isaac ganhe a estrada, em contato direto com a América. Direto e literal, já que alguns dos melhores jogadores que ele encontrará pelo caminho dão demonstrações de patriotismo a cada vitória. Para quem compra a hipocrisia daquele território pelo qual circula o protagonista (seja o país ou apenas a mesa de pôquer), os gritos de “USA” dizem muita coisa. Para quem insistir em perseguir a ideia de quem William Tell “só quer jogar cartas”, isso soará como um simples aspecto narrativo.
Por mais que Schrader pareça não equilibrar tão bem a “trama de origem” com o presente do personagem, readequando na montagem as linhas temporais a ponto de fazê-las perder forças em alguns momentos, a maneira como ele chega na tortura institucionalizada dos Estados Unidos é muito interessante. Sem a aura de denuncismo de obras como “O Mauritano” (2020) – exibido na edição passada do Festival do Rio no Telecine – por exemplo. Há uma vingança contra Gordo (Willem Dafoe) que parece fluir naturalmente, como reflexo de um método de solução de conflitos que ganhou força após o 11 de Setembro.
No mais, ao se alinhar a um jovem, William perceberá em “O Contador de Cartas” as consequências da tortura para além de torturadores e torturados. Quando se valida este comportamento, podemos estendê-lo para outras relações além daquelas às quais nos subordinamos. Talvez esteja aqui o grande peso da obra de Paul Schrader que, se não tão brilhante quanto seu filme anterior, ainda capaz de refinar a narrativa empobrecida do audiovisual do seu país.
Veja o Trailer: