O Dia da Posse

O Dia da Posse Filme Crítica Poster

10º Olhar de Cinema | BannerSinopse: Na partilha do cotidiano em confinamento, o carismático Brendo encena seus sonhos e planos para o futuro. Em uma dinâmica tão carinhosa quanto divertida, diretor e personagem imaginam juntos travessias até dias pós-pandêmicos. Através do retrato de um jovem e de sua geração, com a sensibilidade característica de seus filmes, Allan Ribeiro olha para o presente de um país esfacelado e reinventa os horizontes que telas e janelas raramente nos têm possibilitado ver.
Direção: Allan Ribeiro
Título Original: O Dia da Posse (2021)
Gênero: Drama | Documentário
Duração: 1h 10min
País: Brasil

O Dia da Posse Filme Crítica Imagem

O Candidato Perfeito

Após uma rápida cerimônia virtual de abertura – prevendo que parte do público-alvo parece cansado de transmissões ao vivo pelas telas caseira – o 10º Olhar de Cinema teve início com “O Dia da Posse“. É o terceiro longa-metragem de Allan Ribeiro, formado pela UFF e presença habitual no festival curitibano, que comppleta em 2021 vinte anos de carreira.

A criação é dele, mas quem ganha a atenção é Brendo Washington. Estudante de Direito pela FND-UFRJ, o baiano está na reta final do curso. Suas metas de vida são ousadas, mas nada leva a crer que os desafios não serão superados: advogado, médico e Presidente da República. Quem julgou o livro pela capa (ou o filme pelo título) e imaginava que o cineasta nos transportaria de volta para o fatídico 1º de janeiro de 2019, quando todas as rupturas de tecido social se materializaram com a chegada de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, se surpreendeu com uma das obras mais humanistas dentre aquelas realizadas no contexto da pandemia de covid-19.

A vida de quem trabalha com a criatividade sofreu um forte abalo em março de 2020. O audiovisual, como linguagem, indústria e circuito, precisou se reinventar. Nessas “dinâmicas isoladas” dos nossos apartamentos, uma confluência de ideais gerou reproduções desta narrativa. A rotina de casa, o contato à distância com a família pelas ferramentas tecnológicas, os pets que seguraram pelas garras e patas nossa saúde mental… Allan é mais um responsável por registrar com sensibilidade o que deveria ser um momento de exceção. Talvez não seja. Afinal, como ele mesmo disse na abertura do evento, desistiu de esperar a “volta ao normal” para montar a produção, já que a normalidade soa como um conceito em desuso, um estado das coisas que parece extinto.

Veja o Trailer:

Na entrevista sobre “O Dia da Posse“, que você assiste ao final, a dupla fala deste processo de negociação. Allan é um realizador que usa os seus encontros cotidianos como parte da matéria-prima de suas criações. A mais recente tem uma forte carga de comunicação, já que os dois – além de dividir aquele espaço de forma ininterrupta – se conhecem há alguns anos. O quanto levar desse passado para as projeções de realidade que um documentário faz? É quase como uma escolha de pauta, uma aproximação do verniz jornalístico que o experimentalismo do diretor sempre deu conta – e que chega à máxima potência no atual contexto.

Para além das captações de imagens das janelas e dos mesmos objetos que se repetem às nossas vistas, tal qual a louça infinita que paramos de lavar apenas para sujá-las de novo, há uma experimentação de linguagem que dialoga ainda mais com a junção do show de realidade e do jornalismo. Representações audiovisuais que transformaram o conteúdo consumido por nós em um caldeirão de referências. A unificação do espaço de exibição (a nossa casa, nas telas de nossa preferência – da TV grande na sala ou celular riscado) fez com que tudo se tornasse ainda mais nebuloso.

O encontro de Allan e Brendo é o encontro de artistas – por formação e excelência ou por indução. O roteiro é em conjunto, há passagens que apontam na condução do diretor ao objetivo que deseja atingir com a cena, mas a forma como seu protagonista se movimenta não seria tão eficiente se ele não absorvesse a forma (ou as diversas formas) de criação de conteúdo praticadas atualmente. Essa dinâmica do filme vai do exercício de se criar uma “cabeça” sobre o próprio corte final – com referência à sinopse e à minutagem – até a maneira como o discurso do futuro Presidente (ou uma cadeira no funcionalismo público) é desenhado. Ele já está pronto e soa atemporal porque o Brasil parece pouco disposto a resolver os seus problemas reais.

Da forma como Brendo divide as percepções infantis sobre a pobreza à defesa do Big Brother Brasil, a sessão inaugural do 10º Olhar de Cinema nos traz um dos grandes personagens desse circuito pandêmico. No jogo entre realidade e ficção (não é real, é filme, diz o cineasta), somos levados a crer que ele é um futuro advogado de 23 anos, apaixonado pelos produtos populares da TV, do reality-show às telenovelas. Esse último, produto de grande impacto cultural no país, sempre nos provocou a algumas questões e deu lições atravessadas nos seus mosaicos de personagens.

Nos créditos finais, então, Allan encerra com os versos de “Clube da Esquina II“, de Flávio Venturi e Lô Borges. Música que, além de clássico da MPB de 1972, fez parte da trilha sonora de “Quatro por Quatro” (1994-1995), mais precisamente de Bruno, personagem de Humberto Martins médico que se refugia no Amazonas após não conseguir ser capaz de salvar a esposa. O destino como inimigo deixou para trás Ângela (Tatyane Goulart), que ele tentará obter a guarda anos depois. Uma história sobre as consequências do arrependimento, de atitudes impensadas, perdidas nas múltiplas vendetas criadas por Carlos Lombardi.

Se a vida dos criativos tem sido desafiadora durante a pandemia, a dos pragmáticos poderia ter sido uma benção. Mas, não é bem assim. Estamos todos cansados com a insegurança de não ter um termo final, um prazo para esse período terminar. Sem controle do tempo, fazendo bolo três vezes na semana e jantando pipoca. “O Dia da Posse” traz disparos de identificação para boa parte de nós, de uma maneira bem-humorada, divertida. Por vezes exagerada e tocante – como o encontro de saberes e vivências do Rio de Janeiro e da Bahia. Seria um acontecimento se essas afluentes se encontrassem em Curitiba.

Por enquanto, é nas cansativas telas de nossas combalidas vistas. Mas, vai deixar de ser em algum momento. Brendo e Allan nos ensinam meios de superar o deserto de insensibilidade que se transformou nossa rotina pandêmica.

Assista à conversa de Camila Macedo com Allan Ribeiro e Brendo Washington sobre “O Dia da Posse”:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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