Meu Nome é Pauli Murray

Meu Nome é Pauli Murray Filme Documentário Crítica Poster

Sinopse: Esquecida pela história, Pauli Murray foi uma pioneira jurídica cujas ideias influenciaram a luta de Ruth Bader Ginsburg por equidade de gênero e os argumentos de Thurgood Marshall sobre direitos civis. “Meu Nome é Pauli Murray” é um retrato do impacto das ideias desta luminar negra não binária: advogada, ativista, poeta e pastora que transformou nosso mundo.
Direção: Betsy West
Título Original: My Name is Pauli Murray (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 31min
País: EUA

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Fogo na Alma

Meu Nome é Pauli Murray” chegará forte na temporada de premiações de 2022. Apesar de seu lançamento discreto no Amazon Prime Video, o setor de comunicação e marketing dessa braço empresarial de Jeff Bezos largou na frente e já enviou kits de imprensa para os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas para que eles analisem com carinho, o documentário dirigido por Julie Cohen e Betsy West.

Não é para menos. Afinal, o longa-metragem é mais um ótimo exemplar de uma filmografia que conecta as lutas do Movimento Negro dos Estados Unidos das décadas de 1960 em diante com a realidade atual, em uma historiografia de questionamentos sobre os direitos civis que reverberam até hoje. Um dos finalistas do Oscar de documentário deste ano, “Time” (2020) mostrava sua aplicabilidade no sistema carcerário norte-americano. Contudo, as narrativas através de figuras icônicas da sociedade tendem a fazer ainda mais sucesso. Não apenas pela força dos discursos, mas pelo poder de identificação.

Ao lado de “A 13ª Emenda” (2016) de Ava DuVernay (disponível na Netflix) e “RGB” (2018), também de Cohen e West e disponível no Globo Play, “Meu Nome é Pauli Murray” vai tratar de algumas mudanças concretas no ordenamento jurídico do país. Sua protagonista é um símbolo de pioneirismo e o filme nos envolve nessa trajetória de vida desrotulante. Usa uma montagem que valoriza seus textos e usa uma cronologia reversa para nos mostrar o quanto elo questionava e lutava em campos que só encontraria adeptos anos ou décadas depois.

Escritora, advogada, pastora e poeta, também era feminista, queer (usando a terminologia do próprio filme – e sabemos agora o quanto a intelectual valorizava a escolha de palavras) e, sobretudo, não-binário. Sua cisão ideológica com a geração sessentista talvez tenha contribuindo para que seu apagamento e invisibilização fosse ainda maior e dando carga ainda mais de justiça ao filme de Julie e Betsy. Um importante ativismo que ocupou tanto as ruas, como mostrado em “Peter Tatchell: Do Ódio ao Amor“, como espaços tido como intelectualizados, fazendo de Pauli um modelo.

Quinze anos antes de Rosa Parks iniciar uma onda de protestos contra a segregação de espaços públicos, a começar pela divisão dentro do transporte coletivo, Murray seria presa em uma viagem para Nova Iorque no Estado da Virgínia. Já em 1940 ela perceberia que a não-segregação é, apenas, o primeiro passo rumo a sociedade justa e igualitária. Entretanto, até mesmo isso era negado em um território racista e com vontade política de perpetuar práticas que remonta ao período escravocrata. Sua briga seguinte seria para ocupar uma vaga na Universidade da Carolina do Norte, instituição que sequer incluía cor no questionário socioeconômico de inscrição. Era política consolidada permitir a matrícula apenas de brancos, de preferência, homens.

Sua não-binariedade é tratada com equilíbrio em um documentário de múltiplos atravessamentos. Cada nova etapa da vida da protagonista trazia novas lições para ela que, absorvia e devolvia à comunidade em forma de conhecimento. Foge do sensacionalismo e da invasão de privacidade ao tratar do tratamento hormonal assim que identificou sua não-conformidade de gênero. Atrai algumas cenas em forma de debate acadêmico para falar de legado e dar um toque de resgate daquela narrativa. Porém, o que funciona melhor ainda é o expediente mais tradicional, de usar imagens de arquivo como parte do mosaico de representações.

Nos anos 40 ela já propunha uma ocupação pacífica de espaços reservados a brancos por negros, a começar por uma pequena cafeteria perto do campus da faculdade. Depois, usou o poder da semântica para usar pronomes neutros e para promover o protagonismo Negro (como ela preferia usar, ao invés de preto – e sempre com letra maiúscula). Enquanto associações embrionárias de luta começavam a se formar e articular nos encontros de saberes e vivências, ela parecia materializar conscientemente as bases fundantes de um movimento.

Talvez no momento mais curioso da história, conseguiu a empatia de Eleanor Roosevelt, Primeira-Dama da época, que usou uma expressão que hoje soa muito anacrônico e de profundo mal gosto, ao colocar na capa de revista que possuía amigos negros. Os discursos foram se adequando e lapidando de um lado, mas o ranço racista (e eugenista, como bem menciona um exemplo de estudo) se polarizou ainda mais e permanece vivo na sociedade.

Em outra ótica dessa experiência riquíssima de conhecer mais sobre Pauli Murray, um exílio voluntário em Gana, motivada pela frustração com os desdobramentos nos EUA, a levaram a novas pesquisas sobre ancestralidade. Aqui é o ponto que credencia ainda mais “Meu Nome é Pauli Murray” a uma vaga cativa na temporada de premiações. Elo, naquele momento de sua trajetória, viu em si a identidade americana enquanto forte aspecto de personalidade. Retornou ao seu país para fundar o NOW (National Organization for Women) em mais uma frente que rompeu barreiras, demonstrando pioneirismo em várias frentes. FINALIZAR

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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