Sinopse: Entre o claro e o escuro das salas de projeção, existe um profissional pouco conhecido da platéia de cinema: o projecionista. A partir do microcosmo de uma sala de projeção, o documentário faz um registro da rotina desses trabalhadores, que possuem uma longa e solitária jornada de trabalho.
Direção: Cristiano Burlan
Título Original: O Homem da Cabine (2008)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Brasil
O Artista Invisível
“O Homem da Cabine“, parte da programação da Mostra Cinemas do Brasil, surge para lembrar que o tempo é inapelável com aqueles que entendem os movimentos da sociedade em direção a uma mudança lenta e gradual. Talvez por isso, há muito, o conceito de conservadorismo se vinculou de forma quase nociva a outras correntes de pensamento que veem a arte como inimiga. Porém, antes de tomar outros rumos, vamos seguir a proposta pelo cineasta Cristiano Burlan em sua obra, lançada originalmente em 2008.
O documentário traz um grupo de depoimentos de projecionistas da cidade de São Paulo. De formatação tradicional e optando por ser um longa-metragem, não há aqui uma busca por dinamismos ou maneirismos – e sim o puro registro de histórias. A pluralidade de documentados garante um ritmo agradável ao filme. Uma multiplicidade de gerações e origens se encontram. Do homem de meia-idade que migra de Alagoas para o Sudeste e encontra no cinema uma oportunidade de emprego formal até o senhor que não esconde que seguiu a profissão para transportar o amor pela sétima arte para sua rotina.
O que chama a atenção, entretanto, é que o cineasta se encontra em um momento único na trajetória das salas de cinema do país. O espaço dos exibidores de rua, fora de shoppings e centro comerciais, há muito estava decadente. Ocorre que a sentença final estava prestes a chegar, com a digitalização das projeções. “O Homem da Cabine” chega em uma fase transitória, em que rolos de filme em 35mm dividiam espaço com os arquivos. Uma tecnologia ainda em desenvolvimento, que trazia alguns problemas que – rapidamente – foram solucionados. Muitas salas não resistiriam à necessidade de adaptação ao digital e morreriam de vez.
Antes que isso se tornasse verdade, há aqui uma busca pelo futuro da projecionista. É quando a relação com a sociedade, que tanto mudou na década que se seguiu, grita na obra. Apenas um homem, que relutou em aceitar o trabalho como projecionista no cinema gerenciado pelo irmão, chama a atenção para um fato: a precarização da atividade. Vindo do setor industrial, ele mudou de ofício perto dos quarenta anos, já que o trabalho de fábrica seria muito pesado. Ele não diz, mas provavelmente sua consciência se desenvolve da natural associação sindical do setor. Enquanto isso, todos os outros apostam no exercício de futurologia.
Alguns entendiam que encontraríamos um parque exibidor híbrido por mais algumas décadas – o que se mostrou equivocado. O digital pulverizou a película e com ela as condições insalubres de trabalho daqueles profissionais. Burlan concede um tempo para que eles dividam essas questões empregatícias, como a impossibilidade de sair da sala de projeção durante o filme e as extensas jornadas de trabalho no auge das salas de rua, com suas sessões que, nos finais de semana, eram quase ininterruptas. O barulho ensurdecedor e a forte exposição à luz também são apontadas, mas isso é algo que o espectador de “O Homem da Cabine” percebe os reflexos na parte final, quando eles dizem seus nomes e idades.
Todos parecem mais velhos e cansados do que dizem em sua identificação. O documentário nos lembra que, por trás da diversão, há muito trabalho. Se o projecionista hoje é um ofício bem menos penoso (será?), há no ramo da cultura muitas pessoas que insistimos em não enxergar quando estamos em um ambiente que escolhemos para esquecer nossos problemas. Em certo momento, um deles fala da importância da sua função para uma boa experiência na sessão. O controle de volume, as trocas imperceptíveis, a manutenção do foco. De certa maneira, eles também são artistas daquele espetáculo. Porém, invisíveis.
O documentário não é apenas debate social sobre aquele grupo de trabalhadores – mas, que bom, também o é. A montagem é bem generosa com os depoentes e aprofunda em suas relações sentimentais com o cinema. De Ettore Scola a Ingmar Bergman, todos eles têm seus preferidos. Mas, parece que “Gosto de Cereja” (1997) – lançado dez anos antes daquelas entrevistas – pegou alguns de jeito. Talvez porque eles estejam ali se confrontando com a própria morte da ideia que eles carregam e o filme de Burlan é o agente que não tem coragem de dar o tiro de misericórdia.
Como aquele senhor, que veio da fábrica, bem fala: nossa atividade não acabará, pelo contrário, aumentará a exploração. Com a desculpa de que “é só dar o play“, hoje um profissional da área, sem dúvida, deve viver bem mais sobrecarregado do que antes. A precarização do trabalho chegou para todos e o mercado encontra suas desculpas para te convencer de que está tudo bem. O cinema continua apaixonante, mas os jovens projecionistas dificilmente não tratarão seu ofício com o mesmo entusiasmo que os protagonistas de “O Homem da Cabine“. Pouco tempo se passou, mas a sociedade hoje é bem mais fria e individualista – na medida para que essa precarização passe desapercebida por nós.
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