Sinopse: Equilibrando-se entre depoimentos e cenas de filmes, retrata vida e obra do multifacetado cineasta moçambicano Ruy Guerra.
Direção: Diogo Oliveira e Bruno Laet
Título Original: O Homem que Matou John Wayne (2016)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 10min
País: Brasil
Talento + Coragem
Apresentado no Festival É Tudo Verdade 2021, dentro da programação da mostra paralela em homenagem aos 90 anos de Ruy Guerra, o documentário “O Homem que Matou John Wayne” traz o cineasta dividindo com o espectador algumas de suas lições enquanto criador de imagens. Algumas falas dialogam diretamente com a participação do moçambicano em “Um Filme de Cinema“, longa-metragem construído ao longo de alguns anos por outro expoente da produção audiovisual brasileira, Walter Carvalho.
A obra dirigida por Diogo Oliveira e Bruno Laet adiciona cenas emblemáticas das grandes produções de Guerra. Ao mesmo tempo em que ele se debruça sobre a própria linguagem, com o complemento de falas fundamentais como a do crítico de cinema Michel Ciment, chama a atenção duas grandes questões que envolvem análises de filmes clássicos na contemporaneidade: a politização do filme e o anacronismo de certas representações. Elementos que tornam a filmografia do biografado ainda mais interessante.
Sendo assim, “O Homem que Matou John Wayne” nos provê argumentos – principalmente a partir do próprio Ciment – que corroboram a tese de que o cinema político não precisa abandonar ferramentas e recursos estéticos e narrativos. Ruy Guerra sempre foi capaz de contribuir e provocar sem deixar de fazer uma exploração formal. Não à toa, as parcerias ultrapassaram as criações audiovisuais e as mensagens de suas obras extrapolaram os limites do cinema. Com isso, os depoimentos que se aliam ao do próprio diretor são de figuras como Chico Buarque e Gabriel García Marquez.
Durante o É Tudo Verdade foi possível assistir a uma masterclass especial de Guerra. Com isso, ele pode desenvolver melhor grandes ganchos que o filme de Diogo e Bruno nos apresenta. Nos mais significativos, a ideia de que as escolhas de planos e enquadramentos têm sempre como objetivo levar o espectador ao imaginário e que um bom cineasta precisa ter a consciência do que esconde, do que está fora da imagem. Isso nos leva à questão do anacronismo, que a montagem do documentário é capaz de mostrar sem precisar dizer, usando a icônica cena de Norma Bengell na praia em “Os Cafajestes” (1962).
Ela surge logo após Guerra falar sobre a duração de uma sequência, a velocidade da movimentação da câmera, a permanência da imagem. Além de inesquecível, esse momento de uma de suas obras-primas – uma importante afirmação de um estrangeiro que começa a produzir no Brasil – é didático na análise audiovisual. Diminuir uma leitura a partir de objetificação, do sadismo imposto pela longevidade da sequência, é aplicar uma projeção social que se confunde com a moral. “Os Cafajestes” é obrigatório, talvez seja uma das produções nacionais mais fáceis de serem encontradas na internet e a produção textual dos melhores analistas de cinema brasileiro de todos os tempos é de fácil acesso. Mas, momentos como esse diálogo que ultrapassa a temporalidade, dentro do documentário, são capazes de doutrinar, de converter, de trazer um espectador ou um novo olhar à cultura do país.
Aqui na Apostila de Cinema, prestes a completar um ano de vida, falamos de Ruy Guerra apenas em “Aos Pedaços“, que estreou ano passado no Festival de Gramado. Traçamos nossa crítica ao resultado final, com todo o respeito que um cineasta de sua importância merece. Em “O Homem que Matou John Wayne” ele materializa a forma ousada como devemos recepcionar sua filmografia. Na parte final, quando diz que não acredita em talento nato e sim no desenvolvimento de ofícios pelas forças das circunstâncias. E no meio, quando sentencia: “melhor perder o talento do que coragem“. Feliz do Brasil que pode contar com a disciplina e a bravura de Ruy Guerra.
Veja o Trailer:
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