Sinopse: Em “O Jardim Secreto”, Mary Lennox (Dixie Egerickx) é uma menina de 10 anos que acabou de perder os pais e é mandada para a Inglaterra para morar com o tio Archibald Craven (Colin Firth). Na mansão do tio ela começa a desvendar mistérios da família com a ajuda do seu primo (Edan Hayhurst).
Direção: Marc Munden
Título Original: The Secret Garden (2020)
Gênero: Drama | Fantasia
Duração: 1h 39min
País: Reino Unido | França | EUA | China
Somos os Mesmos
A mais recente adaptação de “O Jardim Secreto“, famosa obra literária de Frances Hodgson Burnet está disponível no novo serviço de streaming da WarnerMedia, a HBO Max. Desde a primeira vez que foi levado ao cinema, em 1919 (oito anos após o lançamento do livro), até as diversas criações para TV, a histórica clássica da menina órfã que vai morar com seu tio e primo e descobre um terreno mágico na propriedade, é objeto de encanto pelas gerações que se sucedem, tal qual as lendas de Peter Pan ou de Alice e suas inúmeras representações da Terra do Nunca e do País das Maravilhas.
Dirigido por Marc Munden no roteiro de Jack Thorne, a obra dialoga com a célebre versão de 1993, dirigida por Agnieszka Holland. Atualiza o momento histórico da orfandade de Mary (Dixie Egerickx) na colônia britânica na Índia, nos levando para 1947, nas tensões entre o país e o Paquistão que levaria – assim que a independência fosse conquistada – à Primeira Guerra da Caxemira no ano seguinte. Com uma visão colonialista em decadência, a protagonista acaba se erguendo como uma geração bem mais humanizada na questão ancestral e de respeito aos laços construídos pelo território. Desta vez, por exemplo, a senhora Medlock (Julie Walters) ganha bem menos tempo de tela – ao contrário da obra mencionada, que gerou até uma indicação ao BAFTA de atriz coadjuvante para Maggie Smith.
Nesta formatação, Mary chega ao Reino Unido e encontra o tio Archibald (Colin Firth) também sentindo a dor da perda da esposa. Já seu primo, Colin (Edan Hayhurst), possui a saúde debilitada e não consegue sair da cama. Antes que o subtexto de Burnet nos revele uma espécie de Síndrome de Munchausen involuntariamente provocada do pai superprotetor (lembrando dos tratamentos dados à doença no cinema de gênero, recentemente no interessante “Fuja“), Munden aposta no drama como mote, assim como fez Holland há pouco menos de trinta anos.
A fantasia soa quase como um acessório da trajetória da protagonista ao encontro da maturidade. O destaque para “os mesmos produtores de Harry Potter” no pôster de “O Jardim Secreto” talvez nem fosse necessário. Enquanto forma, sai a narrativa mais alinhada com o deslumbre noventista da aventura e encontra a sobriedade que aproxima os desdobramentos extraordinários do real das obras que surgiram na esteira do fenômenos literário e de bilheteria criado por J.K. Rowling.
Seja na tonalidade pastel do design de produção ou no uso da trilha sonora como um elemento que impulsiona mais a emoção do que a ação, o longa-metragem é um produto de seu tempo a serviço da história que todos conhecem – e adoram revisitar. Conta com cenários, de acordo com as notas de produção, inspirados em obras como “Rebecca, a Mulher Inesquecível” (1940) e a versão de Orson Welles para “Jane Eyre” (1943), na época em que esta direção de arte era contemporânea e não histórica. Um casarão que parece um personagem próprio, com seus próprios traumas de guerras as quais ele presenciou e fez parte, pela manifestação dos espíritos que ali permanecem. Mais um ótimo trabalho que não pode ser contemplado em uma sala de cinema, já que o lançamento foi totalmente digital por conta da pandemia de covid-19.
Tanto polimento pode tornar a experiência regular demais para aqueles que buscam mais fantasia do que drama. Todavia, a forma como o cineasta conduz o filme torna as vezes em que sai do real bem mais marcante. Seja nas confusões de cronologia e imagem que levam a protagonista de volta a casa dos pais na Índia ou na maneira como o lúdico se coloca como agente no ato final, quando Colin se encontra com o espaço mágico, antes mesmo dele apresentar seus poderes. Como parte da atualização da trama, Thorne opta por inserir uma cachorra como primeiro amigo de Mary, expediente que não compromete se você não for daqueles que buscam fidelidade nas adaptações literárias.
São vários os saltos de fé e diversas as expressões de dramas que surgem a partir de traumas. Aos poucos, por mais que o espectador não esteja dentro do espaço mágico, o filme atinge um aspecto solar que diz mais de seus personagens do que seus espaços. Superações através do tempo, que despontam, também, de maneira involuntária – assim como a preocupação em excesso de um pai que acaba prejudicando um filho. “O Jardim Secreto” nos mostra que, às vezes, a destruição pode ser um caminho.
Veja o Trailer: