O Rolo Proibido

O Rolo Proibido Documentário Crítica É Tudo Verdade Pôster

Sinopse: De alguma forma motivados a criar em meio à guerra e ao caos, cineastas afegãos fizeram nascer um extraordinário estilo nacional de cinema. Motivados a destruir, extremistas do Taliban se puseram a queimar esse legado. Admirado pela beleza e pelo frágil poder dos filmes, o diretor afegão-canadense Ariel Nasr constrói, em “O Rolo Proibido”, uma visão emocionante e original do Afeganistão moderno.
Direção: Ariel Nasr
Título Original: The Forbidden Reel (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 59min
País: Canadá

O Rolo Proibido Documentário Crítica É Tudo Verdade

A Arte de Registrar a História

“O Rolo Proibido” do diretor Ariel Nasr começa como um filme sobre o amor ao cinema e, de certa forma o é. O filme conta, até mesmo, com uma cena muito semelhante ao do clássico “Cinema Paradiso” (1988), quando Toto descobre a técnica por detrás da arte pelas mãos de Alfredo. Nasr se debruça sobre a história do cinema afegão partindo de grandes nomes como os diretores Siddid Barmak, Yusuf Jannesar , a atriz Yasaman Yearmal e Latif Ahmadi ,durante muitas décadas presidente da  Afghan Film,  a maior produtora de cinema local.

Comecemos pelo último. Apaixonado por cinema e sem muitas chances na Afghan Film pela falta de experiência, Ahmadi começou a carreira construindo pequenos esquetes comerciais com seu próprio equipamento. Cria, então, sua própria produtora, a Ariana Film e passa a produzir um consistente arquivo até ter coragem de se apresentar à Afghan. Latif Ahmadi é o mais conhecido diretor afegão e conta com o respeito. Diretor do memorável “Épico do Amor”, ganhou respeito para continuar a fazer filmes mesmo nas épocas mais conflitantes do Afeganistão.

Não irei me aventurar a falar sobre o conflito político afegão , que é tema para especialistas políticos pelos detalhes complexos do qual a duradoura é composta. No entanto, podemos dizer que uma outra figura central em “O Rolo Proibido” é Marian Ghani ativista política, cineasta, fotógrafa e filha do atual presidente afegão Ashraf Ghani Ahmadzai. Esse último “detalhe” não vem para apagar o esforço que a própria Marian já vinha fazendo para recuperar os arquivos da Afghan Film antes de seu pai se tornar presidente, mas como ela mesma admite, esse fator cria uma maior projeção de seus atos e uma facilidade em conduzir seu projeto.

Assim, nosso filme começa com a empreitada de Marian descobrindo os tesouros dos antigos filmes afegãos escondidos na época da invasão dos talibãs em 1997 e mantidos em segredo em uma espécie de parede falsa dentro da própria Afghan Film. Para Marian, com a instabilidade econômica e política do país, os arquivos ainda correm risco, por isso ela comanda um esforço conjunto com os antigos cineastas e técnicos para a reprodução das cópias que ainda permaneceram vivas durante todas essas décadas.

Começamos dizendo que o documentário é um filme sobre amor ao cinema, pois ele mostra que mesmo com a ditadura iniciada em 1973 comandada por David Khan; até 1978 quando a ex-União Soviética invade o país, Barmak, Jannesar e Yearmal lutam para produzir e viver de cinema. A situação para a atriz é bem delicada e ela chega a ter que mudar de nome e, durante anos permanecer sob outra identidade para não correr risco. Os diretores conseguem continuar filmando, mas em alguns casos se veem obrigados a produzir propaganda política. Talvez o caso de Ahmadi seja o mais excepcional, já que este consegue imprimir uma linguagem própria e fazer filmes ficcionais carregados de ironia mesmo nos momentos mais críticos do país.

O golpe comunista de 1978 é apenas o começo de uma mudança estrutural que irá perpassar todas as esferas do território do Afeganistão e que dura até hoje. O que Marian Ghani procura é que outras pessoas vejam as múltiplas facetas do país que ama. Embora tenha nascido nos Estados Unidos, a artista permaneceu com um vínculo afetivo forte com o Afeganistão e sabe que, além dos eventos políticos já citados, o ataque de 11 de setembro criou sobre o país uma atmosfera carregada de preconceito e ódio. Nesse sentido, a recuperação desses arquivos apresentada em “O Rolo Proibido” se coloca também à serviço de mostrar outros olhares possíveis sobre e para aquela nação.

É difícil desconstruir uma imagem tão solidificada, ainda mais quando o território nos parece tão distante e sua cultura tão antiquada aos nossos olhos. Entretanto, ao olhar algumas imagens de arquivo que já foram recuperadas pela equipe coordenada por Marian, parece que não somos tão diferentes assim. Também não somos tão próximos. As relações culturais podem ser comparadas à técnica cinematográfica antes da digitalização. Um processo extremamente difícil, delicado e dispendioso (mais no sentido temporal que no financeiro – mas, nesse também). No entanto, de fácil combustão.

As películas afegãs sobreviveram (não tão intactas) em péssimas condições de acondicionamento em um prédio sem estrutura para abrigá-las e trancafiadas. São quase resistentes culturais. Talvez devêssemos pensar mais nelas para relativizar as nossas relações culturais com outros povos antes de escolher a fácil via do descarte.

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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