Golpe 53

Golpe 53 Crítica Documentário É Tudo Verdade Pôster

Sinopse: Ao fazer um documentário sobre o golpe anglo-americano no Irã em 1953, o diretor Taghi Amirani e o editor Walter Murch descobriram um arquivo extraordinário e inédito. Documentos e filmagens em 16 mm recontam essa história em detalhes sem precedentes, com revelações explosivas de segredos escondidos por 66 anos. De um documentário histórico sobre quatro dias em agosto de 1953, “Golpe 53” se torna uma investigação viva a expor as raízes das relações voláteis do Irã com o Reino Unido e os EUA.
Direção: Taghi Amirani
Título Original: Coup 53 (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 59min
País: Irã | Reino Unido

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Interpretações da História

Em “Golpe 53” parece que estamos dando continuidade à sessão do dia anterior de outro documentário iraniano “Filmfarsi“. Enquanto na obra exibido em mostra paralela, a produção cinematográfica do país antecedente à revolução de 1979 era o objeto, aqui voltamos um pouco mais no tempo para o período que culminou com a derrubada do Primeiro Ministro do país, Mohammed Mossadegh, em agosto de 1953. Um líder da esquerda, que contou com forte apoio popular e resistiu à intervenção do Xá Mohammad-Reza, que nunca aceitou sua eleição dois anos antes. Em quatro dias ele tentou demitir Mossadegh, foi repelido pela opinião pública, fugiu do país e acabou provocando a retirada à força do Primeiro Ministro. Em uma trama que envolveu os serviços secretos britânicos e norte-americanos, uma mudança de rumos que afetaria para sempre o Irã.

O documentário é um dos mais longos e densos do Festival É Tudo Verdade 2020 até agora. Necessárias contextualizações e uma montagem que precisa ser clara na cronologia dos fatos, o longa-metragem tem outra grande força: falar do próprio processo de produção neste gênero. O diretor Taghi Amirani teve uma curiosa trajetória até chegar ao produto final aqui apresentado. Uma série de entrevistas que foram envelhecendo com o tempo, devido ao falecimento de muitas testemunhas do período se aliaram a poderosas imagens de arquivo localizadas. Uma teia de conteúdos mais extensa do que ele imaginou no desenvolvimento do seu projeto, que termina por se tornar uma grande denúncia sobre motivações e movimentações que se mantiveram enterradas ao longo de quase sete décadas.

Encontramos em “Golpe 53” as memórias de um país que antecipava uma onde progressista que boa parte do mundo só encontraria na década seguinte. Antecipou-se, também, a derrocada, por culpa da política imperialista do Ocidente que não aceitou a estatização do petróleo iraniano. Com forte presença de empresas britânicas, a infiltração de agentes com a intenção de minar as organizações políticas do governo de Mossadegh foram facilitadas. Contudo, um agente, Darbyshire, foi peça fundamental nesse processo de ruptura democrática. Só que o cineasta não localizou as gravações das entrevistas relacionadas ao britânico. Com as transcrições, a solução que o documentário encontra é simular os depoimentos convidando o ator Ralph Fiennes para interpretá-lo.

É possível que parte do público encontre nesta saída um elemento de desconexão. Até porque trata-se de uma figura conhecida. Em um panorama que não se exige a pureza da dicotomia ficção e realidade, entretanto, identificamos pouca influência no entendimento do filme. Trata-se de uma complexa sequência de acontecimentos históricos e boa parte do que está sendo ali mostrado foi omitido do conhecimento público. Darbyshire descreveria como subornou parlamentares e prejudicou negociações do Irã com os Estados Unidos, permitindo uma onda de boicotes e embargos econômicos que geraram uma crise injustificável no país. Por fim, como as lideranças ocidentais pinçaram de algum quartel um militar local para ser a cara do golpe.

Recomenda-se sempre desconfiar de crises que parecem ser provocadas – porque, geralmente, elas o são. Ainda mais quando aqueles que estão com o poder nas mãos contrariam interesses dos mais ricos – seja da elite nacional ou de nações abastadas. “Golpe 53” acaba nos trazendo algumas das fórmulas golpistas, em um manual que os Estados Unidos formulou e aplicou ao redor do mundo na segunda metade do século XX, inclusive no Brasil. A mídia hegemônica iraniana, por exemplo, comprou a ideia e replicou o entendimento de que Mossadegh levaria o país a uma ditadura comunista. Ali se iniciava um processo de desinformação incontrolável que, como falamos na crítica de “Filmfarsi”, levaria à morte do cinema da época.

O que sabemos é que os Estados Unidos e seus parceiros diplomáticos mais íntimos pegariam ali o gosto por influenciar governos de países que não os seus. Depois de rupturas democráticas, resta apenas exercícios de futurologia. Nunca saberemos sobre alinhamento com União Soviética ou até que ponto o evento que serve de mote ao filme de Amirani provocou o adensamento do fundamentalismo religioso na sociedade. O fato é que entre 1953 a 1979 o Irã teve profundas mudanças. De fato, como um dos entrevistados de “Golpe 53” fala, é uma linha do livro de História que deveria ser um capítulo. Faz pensar até que ponto estamos, novamente, no meio de um processo muito parecido de união entre militarismo, fundamentalismo religioso e influência ianque.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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