Sinopse: Em “O Salão de Huda”, a visita de uma mulher a um salão de cabeleireiro se transforma em um pesadelo, quando ela é chantageada pela proprietária.
Direção: Hany Abu-Assad
Título Original: صالون هدى (2021)
Gênero: Thriller | Drama
Duração: 1h 31min
País: Palestina | Egito | Holanda
Quanto Vale a Culpa
Em cartaz hoje na programação do Festival do Rio dentro do serviço de streaming do Telecine, o thriller “O Salão de Huda” encerra um hiato de quase cinco anos do diretor e roteirista Hany Abu-Assad. Depois da grande repercussão e a indicação ao Oscar de melhor filme internacional representando a Palestina por “Paradise Now” (2005) e os prêmios dentro da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes de 2013 pelo longa-metragem “Omar” (esse disponível na Netflix), ele seguiu os passos do indiano Asghar Farhadi e aceitou comandar a produção norte-americana “Depois Daquela Montanha” (2017), estrelado por Kate Winslet e Idris Elba.
De volta ao arco temático que o colocou no radar do audiovisual contemporâneo, aqui ele conta a história de Reem (Maisa Abd Elhadi), mãe de um recém-nascido que vai ao salão de Huda (Manal Awad) apenas para tirar a franja e aparar as pontas. Conversa amenidades (ou não), desde a utilização e forma de se expor no Facebook da sociedade palestina atual até sobre o fato de parecer insatisfeita com seu casamento. Até que a dona do estabelecimento batiza o café que oferece à cliente, que perde a consciência.
Os primeiros minutos de “O Salão de Huda” narra de forma rápida este encontro. A cabeleireira, na verdade, é parte integrante do Serviço Secreto Israelense. Sua função é dopar mulheres que ganham sua confiança, tirar foto delas nuas ao lado de um homem e chantageá-las para que se tornem traidoras da nação palestina. Assunto complexo, tratado, por exemplo, na obra mais famosa de Abu-Assad pelo olhar de dois jovens recrutados para realizar um atentado suicida em Tel Aviv. Aqui há um componente de gênero que torna ainda mais difícil as representações e as leituras por parte do espectador ocidental.
Isto porque, para além do julgamento sobre a culpa de Reem, mesmo que entendam por sua inocência ela – aos olhos do costume e da tradição daquela sociedade – merecerá ser punida. Essa ideia transforma toda a trajetória posterior da protagonista em uma via crucis. Em um casamento abalado pela perda de confiança de ambos os lados, nem mesmo a esperança remota do acolhimento daquele homem move os pensamentos da mulher. Quando Huda é capturada pela Resistência Palestina no dia seguinte à violência causada a Reem, esta se comporta como se sentenciada estivesse.
Com este panorama apresentado, o cineasta divide a narrativa em duas linhas espaciais. A primeira apresenta a dona do salão sendo interrogada em uma masmorra. Conseguindo se desvencilhar da tortura para entregar os nomes daquelas mulheres das fotos, ela tentará dominar a mente daquele que tenta exprimir as informações. Com a garantia de morte no bolso, busca uma reviravolta usando processo parecido de construção de confiança que vitimou outras mulheres. Revelará, mais adiante, o seu passado e as suas motivações.
Na segunda linha espacial está Reem, que tenta sobreviver perseguindo notícias sobre a paradeiro de Huda. Ela precisa decidir se entregará ao Serviço Secreto o que esperam dela. Há uma promessa de que a contrapartida poderá ser uma autorização para sair do país. Estamos diante de um território em guerra, ocupado por uma nação que retira o direito de ir e vir de parte da população por uma leitura intolerante e xenofóbica. O curta-metragem “O Presente” (2020) indicado ao Oscar de 2021 é outro que transforma o muro que segmenta e discrimina aqueles espaço e povo em um personagem coadjuvante de uma narrativa poderosa.
Elhadi está muito bem em uma obra que explora a culpa de Reem por todo o tempo. Abu-Assad faz escolhas narrativas importantes para que o espectador com opinião formada possa pluralizar seu olhar. O fato da traidora Huda não ser insistentemente torturada é um exemplo. Quando falamos da Questão Palestina é quase um dever trazer outra proposta de interpretação do que aquela da mídia hegemônica Ocidental. Aliás, como boa parte de causas e aspectos de nossa sociedade, parece que estamos andando para trás aqui também.
Não é tão simples ou maniqueísta repetir que os atos de um Estado é crime de guerra e os de um território não reconhecido é terrorismo. Não reconhecido por quem? Baseado em que? Se incluímos aspectos pessoais ou acreditemos que haja visões políticos, religiosas ou econômicas “certas” em detrimento de outras, pode ter certeza que chancelar esse não reconhecimento é um equívoco. E pior: estaríamos chancelando uma limpeza ética sem precedentes em relação à sua duração em toda a História.
“O Salão de Huda” é mais uma obra ficcional que permite o discurso palestino, até certo momento. Encontra pontos capazes de provocar empatia e a forma como a odisseia da culpa vivida por Reem tocará mulheres ao mundo todo é uma delas. Longe de ser a criação mais inspirada de Hany Abu-Assad, mas ainda assim um ótimo retorno às origens do diretor – e mantendo a consciência de que, ao transportar a realidade para as telas, está em um território com pouco espaço para reviravoltas.
Veja o Trailer: