Sinopse: “O Último a Rir” se passa na véspera do centésimo aniversário de uma empresa relojoeira de Genebra, onde Charles Dé, neto do fundador e um brilhante homem de negócios, foge de casa. Os seus únicos cúmplices são a filha e um casal que encontrou por acaso. O resto da família contrata um detetive privado para o encontrar.
Direção: Alain Tanner
Título Original: Charles Mort ou Vif (1969)
Gênero: Drama
Duração: 1h 33min
País: Suíça
Chefe é Chefe, né, Pai?
O que parece ser uma das principais iniciativas de cinema fora do eixo em plataformas de streaming em 2021, o Petra Belas Artes à La Carte apresenta entre 6 e 19 de maio a primeira mostra “Volta ao Mundo“. Em parceria com a Swiss Film Foundation serão disponibilizados, em curadoria especial, oito filmes produzidos no país. A Apostila de Cinema foi convidada a ver três, entre eles dois longas-metragens do aclamado diretor Alain Tanner.
O primeiro, de 1969, foi “O Último a Rir“. Uma obra que dialoga com as origens do diretor, extrapolando sua formação audiovisual. Porém, há muito do que o cineasta entende como um cinema possível, vanguardista, minimamente experimental, que buscou fazer e acompanhar ao longo de sua carreira. Hoje com 91 anos, Tanner não realiza desde 2004 (à exceção de um programa de TV em 2012). Quando ele apresentou este filme, estrelado por Fraçois Simon, contava com 40 anos e foi um dos quatro vencedores do Leopardo de Ouro da 24ª edição do Festival de Locarno (ao lado de “Três Tigres Tristes”, do chileno Raoul Ruiz).
Tendo como base a Economia, a formação ideológica do realizador está bem expressa aqui. Simon é Charles Dé, um empresário de terceira geração, dono de uma relojoaria que acaba de completar cem anos. Define seu avô como relojoeiro, seu pai como empresário e ele como uma mistura dos dois. De família e classe privilegiada, parece ter uma epifania quando seus funcionários leem uma carta em sua homenagem. Por trás do patrão, há uma tentativa de humanizar as relações profissionais, que não fecha a conta. Dé será sempre o dono, o patrão, o chefe. Como todos os Dés foram antes – e serão depois dele. A prova é que seu filho, Pierre (André Schmidt) está preocupado com a repercussão de uma entrevista para a TV, que mostra esse lado de coração amolecido do responsável pelo império que ele sonha ter para si um dia.
O início de “O Último a Rir” tem a preocupação em construir esse protagonista. Tanner faz da câmera uma observadora do que seria a produção desta entrevista, quase como os bastidores do acontecimento. Uso “império” e “acontecimento” não por deboche, mas porque há nessa ideia da elite uma visão centralizada sobre a própria vida. Para Pierre, o mundo gira em torno daquela relojoaria – destoando da visão do pai. Aos poucos, Charles rompe com a lógica capitalista do que imaginamos ser um empresário suíço. Confessa que seu avô, fundador da loja, era amigo de Mikhail Bakunin (que morreu em Berna). Começa, então, a refletir sobre as noções de hierarquia e autoridade, no que parece ser um filme sobre um encontro.
Tanner, então, muda a dinâmica de sua obra a partir de certo ponto. Nessa epifania mencionada, contida nos movimentos do personagem, Charles se permite fugir daquela lógica, da dinâmica social em que ele é fatalmente opressor, no momento mais importante da história do seu empreendimento. Na busca por um estabelecimento mais democrático, participativo, com os trabalhadores tendo voz ativa, conclui que romper com essa lógica é difícil. A expectativa da sociedade, reproduzida por quem detém a força de trabalho, é a de ser conduzido, não ter responsabilidades porque não se beneficia dos acertos (e, sem dúvida, será prejudicado pelos erros).
O protagonista segue outro rumo, parte para uma imersão anônima sobre o proletariado. De início, carrega consigo prerrogativas, como a hospedagem em um hotel. Aos poucos, Dé enxerga que a experiência não será completa se ele não se permitir. O mesmo podemos dizer da forma como Tanner produzirá suas imagens. Dialogando com a estética que se ergue nos anos 1960 em vários pontos do planeta (recepcionada na visão eurocêntrica com a nouvelle vague), ele ocupa a cidade, traz um olhar moderno – e documental. Se relaciona com um casal que materializa a ideia de viver sem amarras, quase como um experimento.
Então, entram em cena Adeline, vivida por Marie-Clair Dufou e Paul, interpretado por Marcel Robert. Neste ponto, a história construída pelo diretor e roteirista soa bem mais contemporânea do que as representações de mais de cinquenta anos aparentam ser. Traz questão como todos serem um pouco empresários e critica diretamente os rentistas. Abordagens que unem a precarização do emprego e o desrespeito por quem produz.
É a velha conclusão de que a roda da sociedade gira e estamos há décadas repetindo um processo de tentativa e erro que só nos torna cada vez piores. Mais adiante, a outra produção de Alain assistida e presente na mostra do Belas Artes é bem menos brilhante. Leva o experimentalismo para uma seara de exotismo e feitichismo. Não podemos afirmar que sua forma de pensar o Cinema envelheceu mal, posto que coerente com boa parte dos realizadores que viveram seu auge criativo na década de 1960.
Por fim, a parte final de “O Último a Rir” tira certo impacto de todas as provocações inseridas, na maneira pela qual filmes assim atiravam referências em uma migração para diálogos expositivos quando a cabeça do espectador fervia com alegorias políticas arrebatadoras na época. Hoje soa até um pouco inocente evocar Walter Benjamin quando o que envolvia o público era o machucado nas mãos de Paul – que tiraria sua força de trabalho e todas as consequências do período de inatividade. Uma dor específica, que Charles enquanto patrão não conseguirá jamais reproduzir.
Veja o Trailer:
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